A TEZ NEGRA SOBRE O CONVÉS: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO MARÍTIMA EM RIO GRANDE (1873 - 1886).

Publicado em 04/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-738-4

Título do Trabalho
A TEZ NEGRA SOBRE O CONVÉS: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO MARÍTIMA EM RIO GRANDE (1873 - 1886).
Autores
  • Douglas Reisdorfer
Modalidade
Apresentação de comunicação
Área temática
08 - Tráfico, rotas, gentes, convés e portos: histórias afroatlânticas (Aldair Rodrigues - UNICAMP)
Data de Publicação
04/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ivseoivencontroposgraduandos/480482-a-tez-negra-sobre-o-conves--uma-analise-da-escravidao-maritima-em-rio-grande-(1873---1886)
ISBN
978-65-5941-738-4
Palavras-Chave
Escravidão, Marinheiros, Crime.
Resumo
O mundo do trabalho marítimo tem sido descrito pela historiografia como um espaço de encontro de culturas, grupos sociais, etnicidades, nacionalidades e religiosidades diversas. No meio disso, o gênero constituiu um forte elemento de unidade para os marinheiros, demarcando um universo laboral profundamente masculino. Isso também é verdade no que concerne ao mundo náutico brasileiro. Durante o século XIX, eram muitas as origens sociais, regionais e étnico-raciais dos marujos que navegavam pelas águas do país. Destacavam-se os de origem lusitana e nacional, mas também havia marinheiros de outras paragens que, se não eram tantos sobre o convés, certamente o eram nas ruas das cidades portuárias, nas quais interagiam com outros trabalhadores livres e escravizados. A desigualdade social e racial também se encontrava sobre os brigues do país. Além das clivagens de classe, as diferentes condições jurídicas características da sociedade escravista se faziam presentes no mundo do mar. Não era raro, portanto, que embarcações dos mais variados tipos empregassem trabalhadores escravizados nos serviços do navio. Ademais, aqueles trabalhadores também tinham seus corpos marcados pelos mais variados sofrimentos. Por um lado, os perigos do mar e da natureza eram uma constante: tempestades, calmarias e doenças como o escorbuto colocavam em risco as vidas daqueles que se dedicavam à lida marítima. Mas a ação humana também provocava inúmeras agruras. Péssima alimentação, água e soldo; duras condições de trabalho, que era extenuante e arriscado; e as violências empregadas pelos oficiais para disciplinar e punir os marujos, como os castigos físicos, por exemplo. Nesse quadro, dois confrontos atravessavam o mundo dos marinheiros. Contra a natureza, face às intempéries que ela impunha ao ser humano. E também dos homens entre si. Nesse sentido, a cultura marítima era atravessada por um antagonismo de classe, que opunha os marinheiros aos oficiais da hierarquia naval - os que realizavam o trabalho braçal contra que proferiam as ordens. Conflitos e disputas entre os marujos e seus superiores hierárquicos eram, portanto, muito recorrentes. Motins, greves, revoltas e até a prática de crimes são exemplos de como as tensões sociais do mundo do mar poderiam explodir em violência. Outras formas de resistência, contudo, eram manejadas pelos marinheiros: a recusa ao cumprimento de rituais do dia-a-dia de trabalho; o desrespeito aos oficiais; o "corpo mole", etc. Este universo é o objeto sobre o qual o presente trabalho se concentra. Através da análise de três processos criminais, pretende-se apresentar alguns apontamentos acerca da escravidão no mundo do trabalho marítimo, tomando a cidade portuária de Rio Grande como lócus desta pesquisa, entre os anos de 1873 a 1886. Os crimes que suscitaram a documentação envolveram marinheiros escravizados como vítimas e/ou réus, mas também sujeitos de outras procedências étnicas e sociais. Encontra-se, assim, a diferença social que caracteriza a vida dos homens do mar. Além de apresentar as motivações das contendas descritas nos autos, deseja-se explorar outros dois aspectos. A masculinidade da cultura marítima já foi referida. Para um ambiente notavelmente masculino, o gênero foi um importante mote de tensão. Assim, na documentação criminal, não é incomum perceber disputas que giram em torno desta problemática. A resistência dos marujos escravizados, por sua vez, também será abordada. Marinheiros escravizados foram amplamente utilizados na navegação, seja ela de longo curso, cabotagem ou fluvial. Diante da disciplina laboral marítima e das violências que o sistema escravista lhes impunha, marujos cativos resistiram, e o fizeram de diferentes maneiras. Investigando os autos selecionados, será possível demonstrar algumas delas. Dos três crimes analisados, dois transcorreram sobre a região portuária da cidade. Um deles, de 1873, opôs dois marinheiros escravizados na noite do dia 6 de janeiro daquele ano, conhecido como o Dia de Reis. Joaquim, Manoel e Ventura haviam saído para aproveitar a noite de descanso, encontrar amizades, procurar divertimentos, etc. Ao final, os dois primeiros teriam se confrontado, resultando na morte de Joaquim. O inquérito terminou por falta de maiores provas. Alguns meses mais tarde, no dia 18 de agosto do mesmo ano, o marujo escravizado Anastácio enfrentou o contramestre da embarcação em que trabalhava, o brigue Sublime. O conflito ocorreu quando o navio se encontrava em alto mar. Punido com castigos físicos por urinar sobre o convés e não prestar "louvado" ao oficial, o marinheiro africano reagiu, ferindo-o. O processo resultou na condenação do marinheiro a duzentos açoites e a trazer ferro no pescoço por seis meses. Já no ano de 1885, na noite do dia 25 de dezembro, o escravizado marinheiro José encontrava-se conversando com a lavadeira Rosa, próximo ao cais de Rio Grande. Logo se aproximou o contramestre Bernardo, de outra embarcação. Buscando a companhia feminina, Bernardo confrontou o marujo, ameaçando-o com um tijolo. José defendeu-se com uma faca, desferindo ferimento que levou o contramestre a óbito. O processo transcorreu durante o ano de 1886, levando à condenação do marujo a receber a pena de 100 açoites. Estes são os casos sobre os quais os processos se referem. Do ponto de vista metodológico, para realizar a pretendida investigação, procura-se utilizar abordagem da história social da escravidão. Ela consiste em valer-se dos autos criminais, seus testemunhos, relatos e depoimentos, para apreender vestígios do mundo social e cultural dos trabalhadores escravizados. Por meio deles, é possível compreender os significados sociais colocados em disputa, mas também entender as relações sociais, de parentesco, de amizade, de vizinhança e de trabalho nas quais aquelas pessoas estavam inseridas. Tal investigação se faz possível em razão das próprias características da documentação criminal: para desvendar o crime, as autoridades adentravam as vidas e o cotidiano de trabalhadores livres e escravizados, de modo que diversos rastros daquele passado ficaram gravados nos autos. Por fim, em se tratando de um estudo de história social da escravidão, vale mencionar o que este trabalho entende por resistência. Se nas décadas de 1960 e 1970 tal conceito assumia uma dimensão mais restrita, abrangendo somente as atitudes mais frontais de oposição à escravidão, a historiografia dos anos 1980 procurou expandi-lo para envolver também a resistência cotidiana, as atitudes sutis e silenciosas de opor-se à violência daquela sociedade. É nesta perspectiva que o presente trabalho se insere, encarando as relações entre senhores e escravizados como o produto de constantes negociações e conflitos, tecidos no cotidiano da escravidão.
Título do Evento
IV Encontro de Pós-Graduandos da Sociedade de Estudos do Oitocentos (SEO)
Título dos Anais do Evento
Anais do IV Encontro de Pós-Graduandos da Sociedade de Estudos do Oitocentos (SEO)
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

REISDORFER, Douglas. A TEZ NEGRA SOBRE O CONVÉS: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO MARÍTIMA EM RIO GRANDE (1873 - 1886)... In: Anais do IV Encontro de Pós-Graduandos da Sociedade de Estudos do Oitocentos (SEO). Anais...Campinas(SP) Unicamp, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/IVSEOIVEncontroPosGraduandos/480482-A-TEZ-NEGRA-SOBRE-O-CONVES--UMA-ANALISE-DA-ESCRAVIDAO-MARITIMA-EM-RIO-GRANDE-(1873---1886). Acesso em: 29/04/2025

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