A CONCEPÇÃO MARXISTA DE MOVIMENTO FEMININO

Publicado em 12/01/2021 - ISBN: 978-65-5941-080-4

Título do Trabalho
A CONCEPÇÃO MARXISTA DE MOVIMENTO FEMININO
Autores
  • Jaciara Reis Veiga
Modalidade
Artigo Completo
Área temática
Movimento Feminino e Movimento Estudantil
Data de Publicação
12/01/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/movsoc2020/300359-a-concepcao-marxista-de-movimento-feminino
ISBN
978-65-5941-080-4
Palavras-Chave
Movimentos sociais; Marxismo; Movimento Feminino.
Resumo
Resumo: Na atualidade, os movimentos sociais se tornaram temas de pesquisa cada vez mais presentes na produção intelectual, ampliando as análises e fortalecendo a necessidade de reflexões teóricas e conceituais, tanto gerais, como específicas. Em consequência disso, encontramos uma diversidade de definições acerca desses mesmos. O presente trabalho busca trazer uma análise teórica acerca dos movimentos sociais a partir da perspectiva marxista, buscando evidenciar as contribuições de Marx para a análise deste fenômeno, bem como o conceito de movimentos sociais, realizado por alguns de seus epígonos. Depois disso analisaremos o movimento feminino, trazendo a concepção marxista de desse movimento social específico. Palavras-chave: Movimentos sociais; Marxismo; Movimento Feminino. Os movimentos sociais, a partir da segunda metade do século XX, vêm ganhando a atenção das reflexões sociológicas, tornando-se, portanto, tema de pesquisa cada vez mais presente na produção intelectual, ampliando assim as análises e fortalecendo a necessidade de reflexões teóricas e conceituais, tanto gerais, como específicas. Por conseguinte, encontramos uma diversidade de definições acerca desses mesmos. Muitas dessas definições apresentam inúmeros equívocos e imprecisões, ou seja, possuem problemas tanto de ordem ideológica , partindo de modelos que buscam encaixar a realidade em seus padrões ao invés de expressá-la, bem como de insuficiência teórico-metodológica, analisando os movimentos sociais de forma pré-explicativa, geralmente empiricista (indutiva), definindo os mesmos a partir de casos concretos, partindo de aspectos como sua organização ou concepção (VIANA, 2016b). Essa multiplicidade de abordagens acaba por dificultar a análise correta deste fenômeno social, contribuindo assim para a incompreensão do seu processo de formação, bem como de suas relações e determinações. Poucos são os estudos que compreendem os movimentos sociais a partir de uma relação social específica, compreendendo sua generalidade e suas especificidades, assim como suas condições sociais de existência (JENSEN, 2014), analisando-os a partir do conjunto da sociedade, utilizando recursos e categorias do método dialético, tais como totalidade e especificidade, desenvolvidos por Marx (1983). Sabemos que Marx não desenvolveu um estudo sobre movimentos socais e, nem poderia, uma vez que estes surgiram depois dele. No entanto, sua contribuição para a análise deste fenômeno social se dá através da sua teoria da história das sociedades, da teoria do capitalismo e também através do método (VIANA, 2016a). Com sua teoria da história das sociedades (materialismo histórico), Marx recupera a historicidade dos fenômenos sociais, ressaltando a questão da especificidade histórica, possibilitando-nos entender que certos fenômenos existem em todas as sociedades (modo de produção, cultura, etc.), já outros só existem em determinado conjunto de sociedades (Estado, classes sociais, exploração etc.), e ainda há aqueles que só existem em uma determinada sociedade (mais-valor, acumulação de capital, proletariado, burguesia etc., como é o caso da sociedade capitalista). Com esta percepção, Marx ajuda-nos a compreender a questão da historicidade dos movimentos sociais que, por sua vez, surgem a partir de um dado momento do desenvolvimento capitalista e se transformam com suas mutações. Para haver movimentos sociais é necessário que a divisão social do trabalho tenha se complexificado ao ponto de criar vários grupos sociais com interesses diferentes e o nível de desenvolvimento da consciência social esteja bastante elevado. Só existe um movimento social quando um grupo social realiza sua ação coletiva com uma regularidade e quando possui uma consciência coletiva. Essas pré-condições para a existência dos movimentos sociais só existem na sociedade capitalista. Por conseguinte, os movimentos sociais surgem com a sociedade capitalista e não existem nas sociedades pré-capitalistas (JENSEN, 2014, p. 134). Com sua teoria do capitalismo, Marx nos apresenta uma ampla análise do modo de produção capitalista (teoria do mais-valor, acumulação de capital, produção e fetichismo da mercadoria etc.), tornando possível entendermos a sociedade capitalista em geral. Portanto, para entendermos os movimentos sociais é preciso entender antes a sociedade e sua dinâmica. Nesse sentido, a teoria do modo de produção capitalista de Marx oferece a chave explicativa do desenvolvimento da sociedade capitalista, bem como sua ressonância nos movimentos sociais. Sem a análise de Marx não seria possível compreendermos a evolução do capitalismo (sucessão de regimes de acumulação ), bem como a luta de classes, o processo de mercantilização e burocratização das relações sociais e seu impacto nos movimentos sociais. Além disso, sua teoria da consciência e ideologia possibilita compreendermos a relação entre movimentos sociais e cultura, ou seja, a hegemonia e as ideologias burguesas e sua influência sobre eles. Outra contribuição de Marx, imprescindível para a análise dos movimentos sociais, é através do método (com suas categorias como totalidade, historicidade, determinação fundamental, especificidade histórica, relação etc.). Se um dos problemas mais graves das abordagens sobre movimentos sociais está no fato de não definirem o que são os movimentos sociais, através do método dialético (que parte de uma teoria da realidade e uma teoria da consciência) é possível elaborar um conceito de movimentos sociais, mesmo que este tenha surgido depois. Na concepção dialética, o real é concreto e este é “entendido como histórico, total, determinado”. Nesse sentido, podemos compreender que qualquer fenômeno social é histórico, ou seja, não existiu desde sempre. Além disso, um fenômeno social é também uma totalidade inserida noutra totalidade mais ampla que é a sociedade. Portanto, uma análise e uma definição dos movimentos sociais só podem ser feitas em relação à sociedade em que existe, nunca fora dela. Com o método dialético, é possível compreendermos a relação entre o particular e o total, ou seja, a forma específica de inserção de um fenômeno na totalidade mais ampla que é a sociedade. Deste modo, podemos observar mais uma contribuição em seus apontamentos sobre grupos sociais que, posteriormente, geraram movimentos sociais, assim como o processo da situação específica que gera insatisfação nos grupos sociais, como é o caso das mulheres. A grande maioria dos grupos sociais que vão gerar movimentos sociais surgirá muito tempo depois. Alguns já existiam, mas só gerarão movimentos sociais muitas décadas após. Marx fez alguns apontamentos muito breves sobre a questão racial e outras, como a questão nacional, relacionadas com alguns movimentos sociais, mas teve um grupo social que apontou elementos que contribuem para a compreensão da razão dele ter gerado um movimento social. Trata-se das mulheres. Marx fez várias declarações sobre a questão da mulher na sociedade capitalista (e também de forma mais generalizada). Uma das principais razões para a emergência do movimento feminino é a opressão da mulher na forma específica realizada pela sociedade capitalista. Em várias passagens de sua obra ele aborda essa questão. Marx mostra como, na sociedade capitalista, se cria um conjunto de problemas sociais derivados dela e coloca que não é apenas o proletariado que sofre nessa sociedade (VIANA, 2016, p. 133). Para além de contribuir com a elaboração do conceito de movimentos sociais, Marx contribuiu para a compreensão da especificidade deste fenômeno, bem como sua diferença em relação aos movimentos de classes. As diferenças existentes entre movimentos sociais e movimentos de classes encontram-se basicamente nos seguintes aspectos: a base social dos movimentos sociais são os grupos sociais, já a dos movimentos de classes são as classes sociais; os movimentos sociais possuem interesses específicos, geralmente imediatos, ao contrário dos movimentos de classes, cujos interesses são interesses de classes (tanto imediatos quanto fundamentais); as classes sociais são relacionais, ou seja, só existem em função da outra classe (burguesia x proletariado), que são oriundas da divisão social do trabalho, elas possuem modo de vida, interesses e lutas comuns, sendo que as lutas e os interesses remetem para a totalidade da sociedade, enquanto que os grupos sociais são policlassistas, e seus interesses estão relacionados ao interesse grupal. Enfim, este é o conjunto das contribuições elaboradas por Marx, que apesar de ter sido desenvolvido em um determinado momento histórico, nos auxilia na compreensão de fenômenos atuais, tais como os movimentos sociais e sua forma de inserção específica na sociedade. Todavia, ele não possui uma teoria dos movimentos sociais, mas sem dúvida, a questão do método, na construção conceitual, é o ponto fundamental. É a partir do método dialético, à luz de suas categorias e da perspectiva do proletariado, que outros autores, depois de Marx, pensaram a questão dos movimentos sociais (TELES, 2017, p.5). Pois, a partir do momento em que surge a necessidade de compreensão dos movimentos sociais, surge a necessidade de sua conceituação e explicação. É nesse momento que se torna necessário um conceito e uma teoria dos movimentos sociais (VIANA, 2016, p. 124). Ainda assim, apesar das diversas abordagens acerca deste fenômeno, poucos foram os autores que avançaram, de forma coerente, na discussão em torno dos movimentos sociais na perspectiva marxista; e muitos, deformando ou retirando o seu caráter político caíram em análises insuficientes ou ecléticas que não conseguiram explicar o fenômeno (TELES, 2017, p. 69). Uma das contribuições acerca do conceito de movimentos sociais começa a ser realizada por Karl Jensen que, em seu artigo “Teses sobre os Movimentos Sociais”, traz os grupos sociais como um elemento fundamental para entender qualquer movimento social. Os grupos sociais perpassarão pelas dez teses esboçadas pelo autor, na tentativa de apresentar uma discussão teórico-conceitual, contribuindo assim para a compreensão acerca dos movimentos sociais. Segundo Jesen, o grupo social é, portanto, o elemento fundamental dos movimentos sociais. Para ele, Um grupo social não significa um coletivo organizado de indivíduos e sim um conjunto de pessoas que possuem algo em comum. Tomemos um exemplo: o movimento das mulheres. Este é o grupo social que lhe movimenta. Este conjunto de pessoas, este grupo social, possui em comum o fato de todos os seus membros pertencerem ao sexo feminino. Esta é a motivação interna do movimento. Entretanto, o simples fato de pertencer ao sexo feminino não cria nenhum movimento social, pois somente no interior de determinadas relações sociais é que pertencer ao sexo feminino cria a necessidade de ação coletiva. Essas relações sociais certamente se baseiam na opressão do sexo feminino e é esta a motivação externa deste movimento social. O mesmo ocorre com o movimento negro: o simples fato de pertencer à raça negra não é motivo suficiente para surgir um movimento social, mas, quando a raça negra se vê oprimida, surge a sua necessidade. Um movimento social só existe quando o conjunto de pessoas que o compõe possuem aspectos comuns, que podem ser tanto biológicos (raça, sexo) quanto culturais e ideológicos (projeto político) (JENSEN, 2017, p. 130). Jensen acaba pôr definir os movimentos sociais como movimento de grupos sociais, e identifica que estes são a base de qualquer movimento. No entanto, mesmo apresentando este e outros elementos, ainda não foi possível que o autor constituísse uma teoria, mas apenas apresentar um esboço de teoria dos movimentos sociais. Esta tarefa coube, portanto, ao Nildo Viana que contribuiu com o desenvolvimento e aprofundamento de alguns elementos fundamentais para a análise dos movimentos sociais, partindo coerentemente da perspectiva marxista, apresentando de forma original um conceito do fenômeno movimento social e sua relação com a sociedade capitalista, na qual os mesmos emergiram. Em sua análise dos movimentos sociais, busca conceituar os movimentos sociais apontando os principais equívocos nas definições conceituais tanto dos autores ditos “marxistas” quanto nas de autores de diversas outras abordagens teóricas e metodológicas. Partindo das contribuições teórico-metodológicas do marxismo e constrói sua particular análise acerca dos movimentos sociais e suas relações com a sociedade capitalista, ou seja, buscando inseri-los na totalidade das relações sociais. Em seu livro “Os Movimentos Sociais” Viana apontam que, a definição de movimentos sociais é o primeiro problema na discussão a respeito deste fenômeno social. Outras questões e problemas derivados aparecem. Alguns elementos são fundamentais para compreender os movimentos sociais, além do conceito, que é o que delimita o fenômeno social analisado. Os movimentos sociais não estão fora da sociedade, não são autossuficientes, não existem fora do conjunto das relações sociais, que geram as situações sociais, os grupos sociais, entre outros aspectos constitutivos dos mesmos. Por isso, o conceito de movimentos sociais é apenas o ponto de partida para a compreensão dos mesmos (VIANA, 2016b, p. 17). De acordo com Viana, para entender o conceito de movimentos sociais é necessário trabalhar com alguns conceitos, tais como o de grupo social, situação social, insatisfação social, senso de pertencimento, mobilização (ação coletiva/compartilhada) e objetivo. Primeiramente, temos que entender que “movimento social é um movimento de um grupo social. Esse movimento é um deslocamento do grupo social, gerando alterações no mesmo” (VIANA, 2016b, p. 24). Os grupos sociais são a base dos movimentos sociais, ou seja, o segundo só existe tendo por base o primeiro. Mas o que são os grupos sociais? Viana nos apresenta o seguinte conceito de grupos sociais: “conjunto de indivíduos que possuem aspectos em comum, que pode ser a cultura, a constituição física, um projeto político, demandas sociais, ou qualquer outro”, e ainda, “um grupo social é um conjunto de indivíduos que possuem algo em comum que os integra de forma específica na sociedade e por isso são sociais” (VIANA, 2016b, p.25). Estas semelhanças compartilhadas por um conjunto de pessoas podem ser derivadas de três aspectos, tais como a corporeidade (onde negros e mulheres se enquadram), a situação (sendo os jovens e os estudantes seus integrantes) e a cultura (onde religiosos e ecologistas estão inseridos). A partir destes três aspectos é possível distinguir três variedades de grupos sociais: os grupos orgânicos, cuja unidade se dá em sua corporeidade; os grupos situacionais, onde sua própria situação social gera sua unidade; e os grupos culturais, onde as crenças, doutrinas e outras expressões culturais são as que geram sua unidade. A base dos movimentos sociais são os grupos sociais, no entanto, a existência por si só de um grupo social não produz um movimento social. Um grupo social só produz movimentos sociais a partir de determinada situação social. A existência de um grupo social e o pertencimento dos indivíduos a ele geram uma condição de possibilidade, ou uma precondição, mas é necessário algo externo que faz com que tal grupo tenha alguma necessidade de gerar um movimento. Essa “motivação externa” é a situação social [...] exemplo do movimento negro: o fato de indivíduos possuírem as mesmas características fenotípicas e, por conseguinte, pertencerem ao mesmo grupo social, não gera um movimento social. Se as relações entre as raças fossem igualitárias, então não haveria motivo para mobilização. No entanto, se as relações raciais são marcadas pela opressão, discriminação, segregação, então temos uma situação social que tende a gerar um movimento social deste grupo (VIANA, 2016b, p. 31-32). Embora a existência de um grupo social e de uma determinada situação social seja precondição para a existência de um movimento social, ainda assim, ambos não geram automaticamente um movimento social. É necessário, ainda, que exista uma situação social específica que, por sua vez, gere uma insatisfação social. Um grupo social pode existir, mas não ter necessidades, interesses, demandas, objetivos, que façam criar um movimento. Se isso existe, então há uma situação social propícia para sua existência. Mas essa situação social favorável não gera, automaticamente, um movimento social. [...] A insatisfação social é gerada por uma situação social específica, tal como a de opressão, que tende a produzir uma insatisfação consciente e reconhecida coletivamente, ou por outros motivos, como demandas sociais, difusão de ideologias ou doutrinas, etc. A insatisfação social é, assim, condição para a emergência de um movimento social (VIANA, 2016b, p. 33-34). No entanto, apesar da insatisfação social ser um elemento fundamental para a constituição de determinados grupos sociais, se os mesmos não desenvolverem um determinado nível de consciência e organização, e se mobilizarem de forma coletiva, eles não geraram ainda assim um movimento social. O grupo social que se encontra em determinada situação social que, por conseguinte, gera insatisfação social, deve também gerar senso de pertencimento. O senso de pertencimento significa o reconhecimento que a razão da insatisfação social não é uma questão individual e sim coletiva, de um grupo inteiro, ao qual se pertence (mesmo quando remete para outros grupos sociais ou atingidos, pois nesse caso o pertencimento é ao grupo de solidariedade ou apoio ao outro grupo). [...] O senso de pertencimento significa que a pessoa se percebe como fazendo parte de um grupo social específico. Isso pode criar sentimentos diversos, como vínculos afetivos, identificação (VIANA, 2016b, p. 36-37). Deste modo, motivados por uma situação social que gera tanto insatisfação quanto senso de pertencimento, os grupos sociais se mobilizam em torno de um ou mais objetivos. Uma mobilização, neste caso, é uma ação do grupo ou de parte dele, e pode ser tanto coletiva quanto compartilhada. Uma ação coletiva pode ser realizada tanto por um conjunto de pessoas reunidas fisicamente, bem como integradas através de determinadas concepções (sendo elas doutrina, plano de ação, projeto político, etc.), já a ação compartilhada se realiza através de indivíduos isolados, mas que compartilham práticas a partir de um senso de pertencimento. No entanto, a mobilização só faz sentido quando se busca alcançar determinados objetivos, cuja finalidade é resolver alguma situação em que o grupo se encontra. “A finalidade varia em decorrência de qual grupo, situação, insatisfação, se trata, bem como a forma assumida por seu senso de pertencimento e sua mobilização” (VIANA, 2016, p. 39). Uma vez apontados os elementos essenciais que caracterizam os movimentos sociais, possibilitando assim sua conceituação, ainda há uma característica importante para se evitar uma confusão bastante comum entre estes e outros fenômenos gerados por um movimento social (manifestações, organizações, subgrupos, representações, ideologias etc.). Trata-se de suas ramificações que, apesar de fazerem parte do movimento social não é ele, como no exemplo do feminismo, que não é o movimento feminino, mas apenas uma ramificação ideológica dele. Os movimentos sociais não são homogêneos, existindo no seu interior diversas divisões, interesses, objetivos. Os movimentos sociais podem gerar ramificações, tais como doutrinas, ideologias, teorias, representações, organizações informais ou formais, tendências etc. Essas ramificações não se confundem com eles, são partes e não o todo e que podem deixar de ser, como uma organização que se autonomiza e passa a ter interesses próprios ou uma concepção de um autor que ganha um desenvolvimento que rompe com o seu vínculo com o movimento social (VIANA, 2016, p. 43). O fundamental, portanto, é entender a existência e distinção entre os movimentos sociais com suas ramificações. Deste modo, Viana nos apresenta os elementos suficientes para uma conceituação de movimentos sociais: Os movimentos sociais são mobilizações (ações coletivas ou compartilhadas) de determinados grupos sociais derivadas de certas situações sociais que geram insatisfação social, senso de pertencimento e determinados objetivos. Os movimentos sociais podem gerar ramificações, tais como doutrinas, ideólogas, teorias, representações, organizações informais ou formais, tendências etc. Essas ramificações não se confundem com eles, são partes e não o todo e que podem deixar de ser, como uma organização que se autonomiza e passa a ter interesses próprios ou uma concepção de um autor que ganha um desenvolvimento que rompe com o seu vínculo com o movimento social (VIANA, 2016b, p. 43). Por fim, partindo dessa compreensão, podemos entender o movimento feminino como um movimento social, cujo grupo social de base é o das mulheres. Sua unidade se dá, portanto, pela corporeidade que, por sua vez, gera uma situação social de opressão à qual elas são submetidas, sendo uma das suas principais insatisfações, e razão para sua emergência. O sexismo e a subordinação da mulher em geral, embora sob formas e graus diferentes, causa insatisfação social e senso de pertencimento, gerando objetivos específicos em suas reivindicações e, consequentemente, a mobilização desse grupo. No entanto, o movimento feminino não é homogêneo, está dividido em classes sociais, entre outras divisões e subdivisões, que promove dentro do próprio movimento, diferentes representações, concepções, ideologias, organizações, tendências etc., derivando, a partir daí, as chamadas ramificações, como por exemplo, o feminismo. Essa ramificação é distinta do movimento feminino, portanto, não é o movimento em sua totalidade, mas parte dele. O que comumente acontece entre o movimento feminino e o feminismo é serem referidos da mesma forma, como se ambos fossem uma única e mesma coisa, sendo reconhecidos como movimento feminista. Sem dúvidas, o movimento feminino é um movimento social, caracterizado pela mobilização das mulheres (através de diversas formas: produção intelectual, manifestações, reivindicações sob diversos meios, se manifestando contra determinadas situações específicas, como a inexistência do voto feminino, a liberdade corporal, a desigualdade no trabalho, a opressão, o sexismo, etc.), mostrando sua insatisfação em relação a determinada situação social específica e desenvolvendo senso de pertencimento e objetivos, elementos constitutivos dos movimentos sociais (GOMES, 2017, p. 156). No entanto, nem todas as mulheres fazem parte do movimento feminino, assim como nem todas as mulheres que lutam pelos interesses das mulheres são feministas. A emergência do movimento feminino se dá de diversas formas e durante um longo processo histórico. O feminismo, no entanto, tem mais destaque e hegemonia no dentre as mulheres das classes superiores , assim como nos meios acadêmicos e de comunicação. Apesar de se colocar como representante dos interesses das mulheres como um todo, representa, na verdade, interesses individuais, setoriais, das mulheres das classes superiores (GOMES, 2017). Deste modo, o feminismo pode ser definido, ainda que de forma provisória, como uma concepção ambígua (que pode se manifestar sob a forma de ideologia, doutrina ou representações) que diz representar os interesses das mulheres como grupo social, ou seja, como um todo. A ambiguidade do discurso feminista se revela no fato de dizer representar os interesses de todas as mulheres, mas representar, no fundo, interesses individuais, setoriais ou das mulheres de determinada(s) classe(s) social(is) (GOMES, 2017, p. 158-159). Apesar de estar ligado ao movimento das mulheres, o feminismo se diversifica em suas manifestações, tendo inúmeras ideologias e doutrinas que, por sua vez, são realizadas pelas mulheres da classe intelectual e outras classes próximas. Sendo assim, não existe e não pode existir unidade entre movimento feminino e feminismo; não é possível falar em um movimento homogêneo em uma sociedade dividida em classes sociais. Ao fazer a distinção ente movimento feminino e feminismo é possível superar equívocos que consideram as lutas femininas, históricas e concretas, como sendo feminismo. Apesar das exigências aparentemente radicais feministas, não se deve perder de vista o fato de que as feministas não podem, devido à sua posição de classe, lutar pela transformação fundamental da estrutura econômica e social contemporânea, sem a qual a libertação das mulheres não pode ser concluída (KOLLONTAI, 2018). O feminismo se apresenta como um fenômeno cultural ideológico, ambíguo e essencialmente reformista, que diz representar os interesses das mulheres em geral, quando, na realidade, é defensor dos privilégios de sua classe. Sua relação com o movimento feminino é, portanto, de influência ideológica, tendo mais sucesso com as mulheres das classes superiores, mas que acaba convencendo e influenciando, ainda que em menor grau, as mulheres das classes inferiores e seu movimento (GOMES, 2017). A emergência das ideologias feministas não só criou uma confusão entre movimento feminino e feminismo, bem como uma ilusão ao considerar que toda luta a favor das mulheres seria feminismo. Em síntese, o feminismo é um fenômeno cultural, uma ideologia ambígua que diz representar os interesses das mulheres e é próximo das mulheres das classes privilegiadas. Isso explicita um elemento importante das ideologias feministas: elas possuem como fundamento o modo de pensar burguês (VIANA, 2018), que é reducionista, anistórico e antinômico (caindo muitas vezes no maniqueísmo). O movimento feminino ligado ao feminismo geralmente tem a mesma base social (mulheres das classes privilegiadas e mulheres ligadas a partidos políticos ou outras organizações burocráticas, como universidades) enquanto que o movimento feminino que não se autodenomina feminista ou que se declara explicitamente não-feminista ou mesmo crítico do feminismo, é o das mulheres trabalhadoras e das mulheres revolucionárias. A relação entre feminismo e movimento feminino é, portanto, de influência ideológica das classes privilegiadas no movimento das mulheres em geral, que tem mais sucesso no caso das mulheres das classe dominante ou suas classes auxiliares, mas que consegue convencer e influenciar mulheres das classes desprivilegiadas e seu movimento, em menor grau. No fundo, o feminismo acaba sendo uma correia de transmissão do paradigma hegemônico e das ideologias derivadas dele no interior do movimento feminino (GOMES, 2017, 162). A distinção entre movimento feminino e feminismo é de fundamental importância para a luta das mulheres trabalhadoras, pois somente assim, poderão construir um movimento autônomo e independente, no qual os interesses de classe estejam acima dos interesses particulares, pois é somente através da transformação social total, que as mulheres, em particular, e a humanidade, em geral, poderá se libertar. Referências GOMES, Marcus. Movimento Feminino e Feminismo. Movimentos Sociais. Vol. 02, num. 03, jul/dez. Disponível em: https://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/06gomesms03 JESSEN, Karl. Teses Sobre os Movimentos Sociais. Marxismo e Autogestão, Ano 01, Num. 01, jan./jun. 2014. KOLLONTAI, Alexandra. Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/kollontai/1907/mes/fundamentos.htm MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Martin Fontes. São Paulo, 2002. TELES, Gabriel. Elementos teórico-metodológicos para uma análise dos movimentos sociais à luz de uma abordagem marxista. Disponível em: http://www.niepmarx.blog.br/MM2019/Trabalhos%20aprovados/MC43/MC432.pdf ____________. Para uma análise marxista dos movimentos sociais: contribuições de Karl Jensen e Nildo Viana. Despierta, Ano 4, Vol. 4, 2017. Disponível em: https://redelp.net/revistas/index.php/rde/article/view/669 VIANA, Nildo. A Contribuição de Marx a Teoria dos Movimentos Sociais. Despierta, Ano 03, Num. 03, 2016. ¬¬¬___________. Os movimentos sociais. Editora Prismas. Curitiba, 2016. ___________. Classes inferiores e classes superiores. Informe e Crítica. Disponível: https://informecritica.blogspot.com/2019/12/classes-inferiores-e-classes-superiores.html
Título do Evento
Movimentos Sociais e Sociedade Moderna
Título dos Anais do Evento
Anais do Seminário do Nemos: Movimentos Sociais e Sociedade Moderna
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

VEIGA, Jaciara Reis. A CONCEPÇÃO MARXISTA DE MOVIMENTO FEMININO.. In: Anais do Seminário do Nemos: Movimentos Sociais e Sociedade Moderna. Anais...Goiânia(GO) UFG, 2020. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/movsoc2020/300359-A-CONCEPCAO-MARXISTA-DE-MOVIMENTO-FEMININO. Acesso em: 23/11/2024

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