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Apresentação

O III Seminário GPETED: Para onde vai a educação? – Crise do capital, conservadorismo e desafios à democracia na América Latina (200 anos de Friedrich Engels), uma atividade do Grupo de Pesquisa Estado, Trabalho, Educação e Desenvolvimento: Pensamento Crítico Latino-Americano e Tradutibilidade de Antonio Gramsci (GPETED) e do Laboratório de História do Poder e das Ideologias (LAHISPI), com apoio e anuência da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PROPPI), do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPG-E/UFF) e da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (FEUFF), ao buscar a produção coletiva do conhecimento, de modo inter-relacionado, marca sua importância como espaço-tempo de formação plena dos sujeitos. Formação essa que deve articular o trabalho, a ciência, a técnica, a tecnologia, a arte e a cultura.

Nesta perspectiva, a ciência não se limita apenas à produção e inovação de aparatos voltados imediatamente ao produtivo. Assim, entende-se que as ciências agrárias, as biológicas, as exatas e da terra, as engenharias, não representam, por si só, a realidade. A elas estão imbricadas as Ciências Humanas, Ciências Sociais e Ciências Sociais Aplicadas, que há mais de meio século vêm sendo subsumidas àquelas. No entanto, todas formam uma unidade que expressam as relações sociais de produção e reprodução da vida ampliada dos sujeitos em sociedade.

Ao analisar e trazer para o debate as relações sociais próprias da produção (do mundo do trabalho) e da reprodução da vida ampliada em diferentes espaços-tempos (Estado, Família, Escola, Sindicatos, Partidos, Igreja, Sistemas prisionais, aparatos policial e militar), o III Seminário GPETED busca apropriar-se e ao mesmo tempo desvelar da/a maneira pela qual os latino-americanos, em geral, e os brasileiros, em particular satisfazem as necessidades individuais e coletivas nesta sociedade que experiencia o fracasso do  neoliberalismo, mas também um de seus ataques mais contundentes dos últimos vinte anos.

O entendimento das suas causalidades estruturais e conjunturais e a formulação de soluções das sociedades latino-americanas não decorrerão das ciências da natureza, exatas ou de tecnologias, suas explicações e propostas de soluções só podem ser encontradas nas ciências humanas, socais e aplicadas. É, por esta razão, que as entendemos, todas as ciências, como unidade. Uma não se faz sem ou em oposição a outra. Entre os maiores desafios das políticas públicas de educação e de ciência e tecnologia (o que implica mediata e imediatamente em desenvolvimento social e desenvolvimento econômico), encontra-se na formação de uma cultura científico-tecnológica que possibilite, aos jovens e adultos, compreender a dinâmica da sociedade e suas interações entre si, sujeito e sujeito, sujeito e natureza e sujeito, e instrumentos e meios de produção, de forma consciente com o fito de inserirem-se nos debates e decisões que permeiam a produção do conhecimento em qualquer que seja a área ou subárea ou setor, na direção da transformação societária.

Durante as décadas de 1960, 1970 e parte dos anos 1980, vários países da América Latina, mormente na América do Sul, estavam sob regimes ditatoriais militarizados ou governos civis liberais-autoritários. A partir da década de 1980 avançou o processo de redemocratização ou abertura política. O processo foi assimétrico e complexo e os níveis de democratização de ampliação das liberdades políticas e civis e dos direitos sociais variou entre os Estados nacionais.

Porém, de maneira geral, a questão democrática, as lutas por mais democracia avançaram em comparação com as décadas precedentes marcadas pelo autoritarismo, pelas violações aos direitos humanos e pela violência política do Estado contra opositores. O momento histórico da chamada redemocratização encontrou-se e fundiu-se com outro processo – em uma temporalidade, em curso, que diferiu entre alguns Estados, mas que, de forma geral, se aprofundou a partir da década de 1990 – o neoliberalismo.

O neoliberalismo vem marcado pela exacerbação da valorização financeira, pela retomada da força do dólar americano como meio internacional de pagamento, pelo aprofundamento do processo de centralização de capitais e pela velocidade da informação e comunicação automáticas. No plano político-econômico, tal discurso tem sido vitorioso devido ao compromisso de governos de levar a cabo a aplicação das políticas contrarreformistas. A destruição dos direitos trabalhistas é uma marca que se manifesta em países latino-americanos, até os dias que correm; a redução salarial, o enfraquecimento de instituições sindicais; a desregulamentação da indústria, do setor de serviços e da agropecuária, favorece muito mais o investimento estrangeiro direto do que cria a possibilidade de construir uma região latino-americana e respectivos países soberanos e autônomos no que diz respeito ao investimento e à produção do conhecimento novo e inovador.

Vale ressaltar que tais decisões têm implicações mediatas na área da educação. Porém, no final do século XX e início do XXI, em níveis internacional e regional, o neoliberalismo passa a experimentar seu fracasso, tendo como opositores principais partidos políticos e sindicatos combativos e movimentos sociais anti-imperialistas, além de outros tantos, não menos importantes, como, os ribeirinhos, quilombolas, indígenas, negros, mulheres e alguns pequenos produtores.

Em edição recente, o jornal The Economist enumera uma explosão de movimentos sociais em países como Argélia, Cazaquistão, Catalunha, França, Guiné, Haiti, Hong Kong, Iraque, Irã, Líbano, Paquistão e Reino Unido, que resultam das mais notáveis crises político-econômico-institucionais trazida pela crise de hegemonia pela qual passa a globalização capitalista em sua fase neoliberal.

Não menos diferente, do lado de cá, a mobilização de entidades representativas de classe, no Brasil, como a ANPEd, ANFOPE, ANPAE, ANDES-SN, CNTE, FRASUBRA, FORUMDIR, SBPC, SEPE, SINASEFE, entre outras, além dos movimentos estudantis e parlamentares do campo progressista, têm levado às ruas seus protestos e a defesa pela educação pública, gratuita e de qualidade. O Chile e o Equador têm experienciado uma verdadeira guerra de classes; não menos importantes são os movimentos de Porto Rico, Honduras, Haiti e Equador.

Marcada por relações de espaço-poder e de construção de subjetividades, no que a educação cumpre papel fundamental, a agudização da luta política é aparente na execução da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que são dois megaprojetos, interpenetrados, executados nos setores hidrelétrico, de transporte e comunicação, tendo por base a comodificação dos recursos naturais, o que contribui para o aumento significativo do risco que o capital submete a existência da vida (humana, animal e vegetal).

A violência com que os Estados, como Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Argentina, Brasil e Bolívia, vêm expropriando a classe trabalhadora, os povos originários (indígenas, ribeirinhos, pequenos produtores), no espaço da IIRSA, não apenas acirram as lutas de classes, mas também dão continuidade, conforme aponta Virgínia Fontes, à espoliação histórica de populações inteiras que sofrem a pauperização e (r)existem sob as expropriações, particularmente sob as expropriações secundárias.

Neste contexto, Augustin Cueva caracteriza a temporalidade neoliberal como “tempos conservadores”, nos quais emergem, da sociedade civil, forças políticas de toda ordem, à exemplo do Movimento Escola sem Partido, e do Movimento Todos pela Educação – ambos no âmbito da sociedade brasileira e ainda com denominações diferenciadas em nível regional –, que passam a disputar não apenas os rumos da sociedade, mas sobretudo os projetos-políticos de educação em todos os níveis e modalidades de ensino.

Os conservadores, reunidos em blocos no poder político, partidos políticos e outros movimentos, são favoráveis à repressão policial e militar para assegurar formas autoritárias de impor seus valores, mas também para garantir o que entendem por “segurança”, em detrimento dos direitos sociais e subjetivos da classe trabalhadora, particularmente das camadas mais pobres, dos imigrantes, dos diferentes credos. Em sua essência encontra-se o que Jacques Ranciere denomina de ódio de classe.

Daí que, no quadro da crise sanitária da Civid-19, uma das manifestações da crise sistêmica do capital, o bloco de poder, no Brasil, expressa o movimento anticiência e o fundamentalismo religioso, desafiando intelectuais singulares e coletivos de todas as áreas do conhecimento (Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharia / Tecnologia, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais, Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes), engendrando um movimento, denominado por Jean Miguel, de produção cultural da ignorância.

Sobre o tripé pátria (nacionalismo), religião (judaico-cristã) e família (nuclear), tais movimentos levantam a bandeira do combate à corrupção e a retomada dos “bons costumes”, insistindo na criminalização do aborto, das drogas, na imposição de um discurso normatizador das práticas sexuais, no combate ao feminismo e aos movimentos étnicos. Essa combinação de políticas neoliberais e conservadorismo nos costumes favorece a aceitação de formas autoritárias de poder, por parcelas significativas da sociedade: capitalistas, profissionais liberais e trabalhadores dos ramos formal e informal. Afinal, conforme Antonio Gramsci, um modelo de acumulação somente funciona a contento se, todos em sociedade, ou senão em sua maioria, se comportam com tal.

A ameaça aberta pelos movimentos dos subalternos, embora sem organização e direção políticas e, por conseguinte, sem força o suficiente para sair-se vitoriosa, estremece os pilares do Estado liberal a tal ponto que, engendra uma crise de hegemonia, político-institucional, econômica e de autoridade, que se expressou, por exemplo, no golpe de Estado que derrubou, em 2009, Manuel Zelaya da presidência da Guatemala; na destituição, em 2012, de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, no polêmico processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, no Brasil; na crise política nicaraguense, em 2018, que resultou em confrontos violentos entre opositores e governistas; no ano seguinte, 2019, as crises políticas e institucionais puseram em cheque os governos de Lenín Moreno (Equador), Martin Vizcarra (Peru), Maurício Macre (Argentina), Sebastián Piñera (Chile) onde a violência institucional contra o movimento dos subalternos resultou em morte e mutilação daqueles que confrontam o poder, além de denúncias de estupros por parte dos agentes do aparato policial e militar.

Junta-se a esse estado de coisas, a greve geral na Colômbia contra o governo de Ivan Duque, a renúncia/deposição de Evo Morales da presidência da Bolívia e o ressurgimento, no Brasil, do integralismo.

No plano socioeducacional, a privatização e a mercantilização da educação, da ciência e tecnologia, da saúde e de recursos naturais têm se manifestado não apenas como um ataque aos direitos sociais subjetivos, mas sobretudo como um risco à própria reprodução da existência dos seres vivos (humano, animal e vegetal). As ameaças à produção do conhecimento e ao meio acadêmico apontadas por István Mészáros, há uma década, às quais acrescentamos os espaços escolar e universitário, mas também o direito de livre pensamento e de expressão do professor no exercício da profissão, se espraia em níveis internacional, regional e nacional, sobretudo no Brasil contemporâneo.

É neste quadro que se realizou o III Seminário GPETED: Para onde vai a educação? – Crise do capital, conservadorismo e desafios à democracia na América Latina (200 anos de Friedrich Engels), tendo como objetivo promover o debate em torno da realidade latino-americana. Coordenado pelos Professores Doutores Zuleide Simas da Silveira, Luiz Claudio Duarte, Elionaldo Julião e José Antonio Miranda Sepúlveda, todos da Universidade Federal Fluminense, o III Seminário GPETED desenvolveu-se em tono de treze temáticas, quais sejam, Avaliação de Sistemas, Planos e Programas Institucionais; Classes Sociais, Gênero, Sexualidade; Conservadorismo e Educação na América Latina; Educação e Classes sociais; História e Historiografia da Educação; Imperialismo, Regionalismo e Soberania Nacional;  Intelectuais e Educação;  Marx, Marxismos e América Latina; Memória, Iconografia e Pesquisa no campo da Educação; Movimentos Sociais e Lutas de Classe; Organismos Supranacionais e Políticas Públicas; Questões de Classe, Raça, Etnia e Marxismo; Trabalho Infanto-Juvenil e Processos de Escolarização, abordadas por reconhecidos  pesquisadores-docentes das áreas de Antropologia, Ciência Política, Economia, Educação, Filosofia, História, Sociologia, divididos entre sete conferências ao longo da semana, Nas sessões científicas foram apresentado XX trabalho por outros YY docentes e discentes.

O III Seminário GPETED, ao apresenta caráter indisciplinar, tanto quanto o I Seminário GPETED (2017) e o II Seminário (2018), ao buscar produção coletiva do conhecimento de modo inter-relacionado, desvela seu compromisso na formação intelectual com finalidades de ensino, pesquisa e extensão, mas também na apreensão do desenvolvimento histórico, político, econômico, social, educacional e cultural da América Latina, particularmente do Brasil, bem como suas determinações, determinantes e tendências.

 Abriu espaço, assim, para se pensar coletivamente os rumos das sociedades latino-americanas e as possibilidades de execução de projetos societários e educacionais na perspectiva democrática-republicana, a partir da especificidade dos projetos de pesquisa de cada um de seus participantes, que se materializam nesses ANAIS.

 

Boa leitura!

Zuleide Simas da Silveira

Luiz Claudio Duarte




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E-mail: gpetedseminario@gmail.com


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