AS RESISTÊNCIAS E INSISTÊNCIAS DA (A)NORMALIDADE

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
AS RESISTÊNCIAS E INSISTÊNCIAS DA (A)NORMALIDADE
Autores
  • Vivian Ferreira Dias
  • Sandra Caponi
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 01] Acessibilidade em tempos de diversidade, inclusão social e escolar
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/102898-as-resistencias-e-insistencias-da-(a)normalidade
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
deficiência, discurso, anormalidade, poder
Resumo
O modelo social da deficiência, termo cunhado por Michael Oliver em 1983 (SHAKESPEARE 2006; BARNES et al. 2003; BARNES et al. 2005), admite a participação do meio no processo de exclusão. Portanto, nessa perspectiva, a deficiência não está vinculada ao corpo e à lesão, mas às barreiras encontradas no entorno. Essas barreiras, no entanto, não são apenas de ordem arquitetônica ou procedimental. Os enunciados sobre a deficiência também podem ser compreendidos como práticas que (in)viabilizam a inclusão: porque a categoria deficiência é constituída por sentidos de anormalidade, impureza e incapacidade (ROSA, 2007; LIMA e COSTA, 2014), bem como de heroísmo e excepcionalidade (SILVA, 1986) e que podem instituir processos excludentes. Além disso, à maneira de Foucault (1997), os discursos são entendidos como uma série de práticas que constroem os objetos dos quais falam. E que, sob determinadas condições, segundo Deleuze (2013), circunscreve, enuncia e produz aquilo que é o dizível e o legível, numa determinada época. Nessa perspectiva, os discursos mostram por meio de quais jogos de verdade a pessoa com deficiência se define e toma seu lugar no mundo (FOUCAULT, 1997). Assim sendo, a imersão nos discursos sobre a deficiência, e seus efeitos, pode ser compreendida como uma prática profícua de delineamento da inclusão, uma vez que irá permitir que os sentidos históricos sejam redimensionados e que novos dizeres, saberes e práticas, que rompem com o caráter extraordinário da deficiência, possam passar a ser considerados como verdadeiros. O objetivo do trabalho é, portanto, tomar os discursos como dimensões que formam o objeto de que falam, a partir dos enunciados e das condições de emergência dos discursos. Isto é, indicar o modo como a deficiência e, por conseguinte, a pessoa com deficiência, são significadas e enunciadas. Para atingir esse objetivo, foram escolhidos os principais domínios que constituem a formação discursiva da deficiência: o histórico, o médico/científico, o corporal, o jurídico e o político, assim como alguns discursos representativos que emergem nesses domínios. O recorte aqui realizado, toma dois exemplos: uma postagem publicada em um grupo de magistrados no Facebook – cuja autoria é atribuída a uma desembargadora, que está referida a uma das condições que é identificada com a deficiência (Síndrome de Down) e um texto-recado redigido por uma professora que tem a referida síndrome. Esses discursos foram escolhidos pelo fato de mobilizarem diferentes domínios enunciativos, como poderá ser atestado pela análise, e por serem representativos de movimentos de resistência do sujeito (FOUCAULT, 2004). Além disso, eles são bastante atuais (março de 2018) e atingiram grande circulação no país (mídia digital, impressa, dentre outras). O exercício analítico, de base foucaultiana, busca apontar a qual formação discursiva os sentidos são remetidos, as condições de existência dos discursos e a que outros enunciados se ligam (FOUCAULT, 1997). No discurso da desembargadora, os sentidos que emergem, daquilo que constitui tudo o que foi dito sobre a Síndrome de Down, são aqueles atrelados à incapacidade, à dependência, apagando e silenciando outros sentidos também possíveis que ligam a Síndrome a sujeitos que estudaram, que são profissionais. Ou seja, diferentemente daquilo que também constitui a Síndrome de Down, mas, que nesse discurso, não tem força de verdade. Nessa materialidade discursiva, as posições pessoa com deficiência e docente não coadunam, uma vez que a deficiência é enunciada como incapacidade (um efeito de memória do domínio médico, no qual a síndrome é uma sentença, uma enfermidade que impõe desvantagens). Embora a função autoria seja colocada em xeque por Foucault (1996), nesse caso, essa dimensão é essencial para trazer outro efeito de sentidos para a afirmação, já que a autora ocupa uma posição de notório saber e é identificada com o domínio jurídico. Ou seja, a formação discursiva da magistratura remete a sentidos inscritos na memória: de sapiência, conhecimento sobre a lei e conduta ilibada. No entanto, a resposta da docente mencionada acima desloca os sentidos suscitados pela postagem da juíza. Na resposta, as posições hierárquicas, “juíza sem deficiência” e “professora com deficiência”, são diluídas. Embora o sujeito não seja uno, mas cingido e assujeitado à linguagem (FOUCAULT, 1996), ele resiste (FOUCAULT, 2004). A subjetivação da professora como incapaz é contraposta à enunciação das atividades que desenvolve, às suas ações. Ela reforça sua capacidade para ensinar e materializa suas práticas. O discurso da magistrada não é retomado, tampouco transcrito, total ou parcialmente. Mas ele paira sobre o recado da docente. O saber/poder mobilizado pela professora perpassa o compromisso social, o respeito às diferenças, a transformação do meio e é mobilizado para contrapor os sentidos suscitados pela juíza, em um claro atravessamento do domínio político, da ruptura de uma posição subalterna e tutelada (LANNA JUNIOR, 2010; ROSENVALD, 2016), historicamente atreladas à formação discursiva da deficiência. Essa maquinaria encontra eco não apenas na categoria deficiência, mas em muitas outras, marginais ou não, que extrapolam a noção de que o professor ensina apenas o conteúdo acadêmico. A docente é construída como alguém que ensina, passa valores, ajuda quem precisa mais. É nitidamente, como bem apontou Foucault (2004), o pressuposto de que cuidar bem de si é também cuidar do outro. Nessa dispersão de sentidos do que é ser professor, o sujeito-enunciador extrapola o currículo pressuposto em uma escola de educação infantil, e busca romper com “o preconceito porque é crime”. A professora aciona o seu saber/fazer/poder da prática docente, e mobiliza em seu discurso o legitimado e oficial saber das leis, para romper com a subjetivação da incapacidade. Ao enunciar que “preconceito é crime e o preconceituoso é criminoso”, a professora faz funcionar uma imbricação entre jurídico e pedagógico, tornando as posições intercambiáveis. A juíza, ainda que ocupe um lugar historicamente construído como de notório saber (domínio jurídico), é ensinada e sentenciada. De um sujeito pressuposto como incapaz, no primeiro encadeamento discursivo, passa-se a um indivíduo produtivo. E que, sobretudo, silencia sua posição-sujeito “pessoa com Síndrome de Down”. A docente é construída, no seu próprio discurso, como comum: nem heroína, nem desafortunada. O regime da anormalidade se silencia.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

DIAS, Vivian Ferreira; CAPONI, Sandra. AS RESISTÊNCIAS E INSISTÊNCIAS DA (A)NORMALIDADE.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/102898-AS-RESISTENCIAS-E-INSISTENCIAS-DA-(A)NORMALIDADE. Acesso em: 02/01/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes