DE INDÍGENAS A CABOCLOS: ESQUECIMENTOS E SILENCIAMENTOS EM ALDEIA DA PEDRA/ RJ

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
DE INDÍGENAS A CABOCLOS: ESQUECIMENTOS E SILENCIAMENTOS EM ALDEIA DA PEDRA/ RJ
Autores
  • Juliana Moura Pecly dos Santos
  • Adriana Russi de Melo Tavares
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/432427-de-indigenas-a-caboclos--esquecimentos-e-silenciamentos-em-aldeia-da-pedra-rj
ISSN
Palavras-Chave
Silenciamentos, Esquecimento, Puri, Aldeia da Pedra
Resumo
DE INDÍGENAS A CABOCLOS: ESQUECIMENTOS E SILENCIAMENTOS EM ALDEIA DA PEDRA/ RJ Juliana Moura Pecly dos Santos Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO julianam5pecly@hotmail.com Adriana Russi Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense e Docente do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO adri.russitm@gmail.com Introdução Este trabalho apresenta reflexões preliminares em torno da dinâmica entre lembrança e esquecimento em processos identitários em Itaocara, município da região noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, partimos da pesquisa da historiadora Márcia Malheiros (2008) segundo a qual a então Aldeia da Pedra, como era conhecida esta localidade, teria sido um dos principais aldeamentos indígenas nos séculos XVIII e XIX. Malheiros (2008) analisou diferentes registros e documentos sobre processos de aldeamento naquela região que possibilitaram compreender como os indígenas Puris, os Coroado e os Coropó – falantes de línguas do tronco Macro-Jê - viviam naquele período. Nossa intenção aqui é tentar problematizar como, numa localidade considerada “uma das principais aldeias indígenas” até o século XIX, na atualidade lembranças que conectem a população local a estes povos parecem muito remotas no tempo, apontando para muitos esquecimentos. O trabalho foi estruturado em três partes, partindo do trabalho de Malheiros (2008): na primeira fizemos um breve apanhado das relações entre os diferentes sujeitos envolvidos no processo de aldeamento; na segunda parte apontamos alguns elementos que nos levam a pensar sobre o apagamento ou esquecimento das identidades indígenas, resultando num processo de “acaboclamento” dos mesmos; na terceira parte especulamos sobre a visão familiar de memórias que remetem aos antigos indígenas que ocuparam a região de Itaocara. 1. Fundamentação teórica A principal fonte que versa sobre a formação de Aldeia da Pedra, atual município de Itaocara, é a pesquisa de Márcia Malheiros (2008) intitulada: “Homens da fronteira’: índios e capuchinhos na ocupação dos sertões do Leste, do Paraíba ou Goytacazes, séculos XVIII e XIX.” Nessa obra a autora descreve e analisa, entre outros aspectos, as relações estabelecidas num aldeamento como aquelas entre indígenas e missionários, indígenas e fazendeiros, fazendeiros e missionários, indígenas e portugueses, portugueses e missionários. Ao expor diferentes perspectivas sobre tais relações, a historiadora delineia o que teria sido a visão cristã (a dos capuchinhos) bem como uma possível visão dos indígenas sobre o aldeamento. Uma dicotomia registrada por Malheiros (2008) diz sobre o fato dos indígenas da região de Aldeia da Pedra serem considerados “índios bravos” e sempre resistentes aos aldeamentos. Por outro lado, em alguns fragmentos Malheiros localizou registros de memórias dos capuchinhos que apontavam para certa “abertura” dos indígenas ao aldeamento. Em sua análise, a historiadora sugere que tal “abertura” decorreria do fato de que esses povos – em meados do século XVIII e no decorrer do século XIX - estavam perdendo suas terras e que o aldeamento e os missionários poderiam ser uma forma de “legitimação” de seu próprio território. O termo “índios bravos” é complexo e passível de problematização, pois era usado em diferentes circunstâncias de forma acusativa que justificava ações violentas contra esses grupos. O termo também funcionava nas ações do colonizador branco para torná-los “civilizados” através da evangelização dos capuchinhos e suas práticas cristãs. Não pretendemos desenvolver uma reflexão sobre a distinção entre memória e história. Apenas como referência trazemos Pierre Nora (1993) que em sua clássica obra, distingui “memória” de “história”, qualificando esta última como construída a partir de uma perspectiva que emprega determinados métodos. A história assim, se proporia universal, tendo prevalecido por muito tempo como narrativa oficial dos acontecimentos. Por sua vez, para Nora as memórias se atualizam no presente e, por isso, são também plurais e diversas. Assim, se considerarmos o período que entre meados do século XVIII até o decorrer do século XIX, período analisado por Malheiros (2008), existiriam múltiplas memórias dos diferentes agentes envolvidos nas relações do aldeamento: indígenas, fazendeiros, portugueses, missionários. Parece possível afirmar que para além da história oficial que se registrou (a história do Brasil), existiriam muitas memórias que, por diferentes motivos, foram esquecidas, silenciadas, negligenciadas. Para tratar dessas memórias esquecidas lançamos mão de autores na perspectiva decolonial (BHABHA, 1992, SPIVAK, 1990), que lançaram luz aos discursos do subalterno como aponta CARVALHO (2001). Provocaram com isso um novo olhar sobre si e influenciaram também os campos antropológico e patrimonial. A partir daí surgiu uma reflexão ainda preliminar sobre Aldeia da Pedra e sobre possíveis apagamentos da “indigenidade” e que hoje remetem a um passado muito longínquo entre os moradores da região. 2. Resultados alcançados O processo de aldeamento em Aldeia da Pedra, que perdurou por 56 anos (1808 até 1864), dirigido pelos missionários capuchinhos foi responsável pela execução de um plano colonizador que se valia da institucionalização da Igreja Católica para a execução de ações que podemos classificar como violência simbólica (BOURDIEU, 1989) contra os povos indígenas que ali viviam. A imposição de uma língua, de uma crença e a mudança de hábitos dos indígenas que determinou que assumissem costumes e práticas cristãs, forçaram que os indígenas escondessem, esquecessem ou abandonassem suas práticas culturais, se tornando aos poucos “caboclos”. Para reforçar o “desaparecimento” indígena na região, a partir de meados do século XIX certas instituições (câmaras municipais, igreja católica, etc) passaram a disseminar que a presença indígena na província do Rio de Janeiro era “inexistente” ou “pouco expressiva”. Esses apagamentos estão registrados em documentos oficiais, principalmente aqueles produzidos pelas Câmaras Municipais. Malheiros também analisa esse processo de “aculturação” pelos quais os indígenas foram submetidos, problematizando a “imparcialidade” das fontes oficiais que não mencionavam a presença indígena na região. Por outro lado, a autora localizou vestígios indígenas em registros nas fazendas, nos atos de batismos e nas escolas bem como processos judiciais. Embora um número significativo de indígenas tenha sido dizimado, outros tantos serviram como mão de obra nas fazendas, receberam nomes cristãos e foram se “tornando caboclos”. Para o modelo colonizador interessava que esses povos sumissem; ou seja; que eles fossem assimilados pela sociedade envolvente, o que sinalizava a eficácia de seu projeto. Assim, dizer que não havia mais índios na região de Aldeia da Pedra ou na província do Rio de Janeiro como um todo, significava que os indígenas já eram “confundidos com outras partes da população”, oficializando a “aculturação” desses povos. Contudo, uma inquietação surgiu a partir dessa pesquisa de Malheiros e gira em torno da possível potência dessa localidade - Aldeia da Pedra – como lugar de resistência. Se compreendemos bem o trabalho da historiadora, os grupos indígenas ali presentes eram resistentes à presença dos portugueses em suas terras desde o início. Isso fica evidente em algumas passagens apresentadas pela autora como no episódio em que o indígena Coroado, José da Silva impôs ao frei Tomás que não levasse “portugueses” para a recém fundada aldeia (Piza, 1946 apud Malheiros, 2008). A partir disso, poderíamos fazer algumas questões: onde estariam os Puri e os Coroado na atualidade? Essa seria uma questão razoável? E seus descendentes? Se conseguíssemos localizar essas pessoas, como elas se autodenominariam? Indígenas? Cablocas? Existem memórias apagadas ou silenciadas relacionadas a isso? Essas são algumas questões iniciais que ainda merecem muita pesquisa. Conclusões Como dissemos, este trabalho está numa fase inicial e por isso não há conclusões. Ao que tudo indica, o processo de ‘desenvolvimento’ de Aldeia da Pedra transformou indígenas em caboclos. Hoje as memórias indígenas remetem apenas a um tempo muito longínquo. Por ora não localizamos indícios sobre as trajetórias destes povos e suas resistências. O que procuramos trazer nesta breve reflexão tem relação com as memórias narradas no âmbito familiar, como aquelas em que nossas avós foram pegas no laço, como se diz entre algumas famílias em Itaocara. São essas memórias que despertaram nosso interesse, a despeito de estarem ou não correlacionadas aos Puris ( oportuno relatar que em 2013 ocorreu um processo diferente daquele registado por Malheiros em 2008, ao menos em relação aos Puri, pois formou-se um Grupo Puri, a partir dos encontros de indígenas na Aldeia Maracanã (Rio de Janeiro) que hoje corresponde ao Movimento de Ressurgência Puri) ou aos Coroado. Entendemos que a perspectiva desses subalternos se desdobra em aspectos que extrapolam a questão cultural e estendem às questões políticas, sociais, estruturais. Acreditamos que esses subalternos tem o direito de falar como indígenas - Puri, Coroado - ou ainda como caboclos, sem temer as perseguições que eram comuns no século XIX e XX e cujos direitos estão assegurados na Constituição Federal. Mas ainda há muito a investigar e estamos apenas no começo. Referências bibliográficas CARVALHO, José Jorge de. O Olhar Etnográfico e a Voz Subalterna. In:Horizontes Antropológicos. Porto Alegre. n. 15, p. 107 -147, 2001. MALHEIROS, Márcia. Homens da Fronteira” Índios e Capuchinhos na ocupação dos Sertões do Leste, do Paraíba ou Goytacazes Séculos XVIII e XIX. 2008. Tese (Programa de Pós-Graduação em História) – Instituto de Ciência Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói. NORA, Pierre. Entre a Memória e História. A Problemática dos Lugares, in: Projeto História 10. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História, PUC-SP, 1993.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SANTOS, Juliana Moura Pecly dos; TAVARES, Adriana Russi de Melo. DE INDÍGENAS A CABOCLOS: ESQUECIMENTOS E SILENCIAMENTOS EM ALDEIA DA PEDRA/ RJ.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/432427-DE-INDIGENAS-A-CABOCLOS--ESQUECIMENTOS-E-SILENCIAMENTOS-EM-ALDEIA-DA-PEDRA-RJ. Acesso em: 26/04/2025

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