VOZES QUE SE AGITAM: A CRIAÇÃO NARRATIVA EM O DECAMERON E AS SEMENTES DE MUNDO LANÇADAS AO PORVIR

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
VOZES QUE SE AGITAM: A CRIAÇÃO NARRATIVA EM O DECAMERON E AS SEMENTES DE MUNDO LANÇADAS AO PORVIR
Autores
  • Fernanda de França Iglesias Canellas
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/436868-vozes-que-se-agitam--a-criacao-narrativa-em-o-decameron-e-as-sementes-de-mundo-lancadas-ao-porvir
ISSN
Palavras-Chave
Narrativa, Memória, Criação
Resumo
VOZES QUE SE AGITAM: A CRIAÇÃO NARRATIVA EM O DECAMERON E AS SEMENTES DE MUNDO LANÇADAS AO PORVIR Fernanda de França Iglesias Canellas Estudante de mestrado do Programa de Pós Graduação em Memória Social – PPGMS/UNIRIO) iglesias.canellas@gmail.com Introdução Este breve ensaio tem como objetivo lançar luz às pequenas vozes que, no interior do convencional discurso de uma época, bem como em seus acontecimentos limítrofes – como a peste - brotam como sementes de mundo anunciando abalos, pequenas nascentes nos modos de ser e pensar já endurecidos, esgotados em si. Para isso, tomaremos a experiência narrativa em O Decameron como instrumento perfuro-cortante no pensamento, de modo a perguntar: pode a arte narrativas ser experienciada como uma abertura, uma indefinição permanente nos modos como contamos, tecemos o mundo e criamos — nos criamos — nossas memórias e histórias? Articularemos essa pergunta com as contribuições de Maurice Blanchot ao discorrer sobre a lei secreta da narrativa, enveredando-nos bem ali onde ela se realiza como acontecimento ainda por vir. Contaremos também com as contribuições da especialista em letra Português-Italiano, Doris Natia Cavalllari, sobre a importância de O Decameron para a formação do que veio a ser o gênero romanesco moderno e para a recriação do mundo em meio à peste. Como justificativa e engrenagem desse trabalho, permeia-nos a pergunta: teria a experiência narrativa, tomada a partir de O Decameron, algo a nos dizer sobre a tessitura da vida forjada nas e pelas diferenças, aberta à indeterminação? Por fim, deixaremos como horizonte o vislumbrar saídas no que tange a criação de caminhos narrativos ainda desconhecidos e reconstrução da vida e de nossas memórias mediante à experiência limítrofe que também nos tem sido imposta pela atual pandemia. 1. Fundamentação teórica Para este trabalho de caráter ensaístico nos debruçaremos, sobretudo, em O Decamaron, obra literária de Giovanni Boccaccio, que reúne cem narrativas novelescas diversas, contadas por dez jovens e cujo nome, formado pelos vocábulos gregos deca (dez) e imera (dias ou jornadas), conserva e anuncia uma espécie de dinâmica de narração que se dará entre eles no decurso dos acontecimentos contados. Escrita entre os anos de 1348 e 1353, a obra de Boccaccio acontece em meio à peste que assolava a Europa em meados do século XV e, torna sobressalente, dentre as muitas saídas que emergiram como resposta à onda mortífera que acometia a população, a passagem e invenção daqueles dias justo pela via narrativa, pela contação de história que se dará entre os tais jovens. Armou-se, entre os jovens, o trato: a cada dia que suceda nessa jornada, todos os dez receberiam a incumbência de narrar histórias, episódios uns aos outros, segundo as diretrizes que seriam estipuladas pelo jovem chefe responsável do dia. Desse modo, os dez dias ou jornadas, serão atravessados, cada um deles, por dez narrativas diferentes contadas por cada um desses narradores, seguindo ou não um fio engendrado pelo narrador anterior. A narrativas que emergem, por sua vez, serão tecidas no momento mesmo em que são contadas, em um rodízio de vozes que se agitam e se desdobram entre muitas outras e que se alçarão entre os diferentes narradores e personagens que aparecem na obra. Nesse sentido, nos enveredaremos naquilo que a criação narrativa em O Decameron parece nos mostrar: a experiência narrativa mesma como embate e efervescência de criação, afim de perguntarmos se não seria esse jogo narrativo em curso uma possibilidade de experimentar também em nós- leitores, ouvintes e contadores de memórias e histórias - a nascente que nos jorra e deságua também o mundo o qual forjamos. Para esta problemática, nos aliaremos ao Livro Porvir, de Maurice Blanchot, cujo capítulo O Canto das Sereias, analisa o episódio de a Odisseia, em que Ulisses, desvencilhando-se dos perigos aos quais o canto das sereias envolve os navegantes, se converte, então, em Homero, o narrador. Blanchot, por esse caminho, tomará a narrativa não como um relato do acontecido, mas acontecimento que se realiza ao passo mesmo em que é contada, “o acesso a esse acontecimento, o lugar aonde ele é chamado para acontecer, acontecimento ainda porvir e cujo poder de atração permite que a narrativa possa esperar, também ela, realizar-se” (BLANCHOT, 2018, p.8). Nos apontará também o perigo que ela ainda conserva, com o que chamará de “a lei secreta da narrativa”, como um movimento a um ponto desconhecido e que não existe, senão, dentro desse movimento, ligando-a também à presentificação mesma de uma metamorfose, não conclusa “mas a abertura do movimento infinito que é o próprio encontro, o qual está sempre afastado do lugar e do momento em que ele se afirma, pois ele é exatamente esse afastamento(...)” (p.13). Aliando-nos também à Doris Nátia Cavallari em dois de seus artigos, destacaremos aspectos importantes da narrativa de O Decameron que a autora, articulando-se com Bakhtin sobre o surgimento do gênero romanesco moderno, vem a elaborar e nos apontar como preponderante na obra de Boccaccio, a saber: o seu inacabamento estético, as descentralização das vozes e a recriação do mundo pela via narrativa. Segundo Cavallari, o que essa obra vem anunciar é diferente daquilo que vinha propondo a tradição narrativa à época, e conclui: “A distância, fundamental para a estrutura do Decameron não é mais entre o poeta e sua musa, mas entre a vida e a arte de narrar.” (CAVALLARI, 2010, p.14). Nos interessará, então, o movimento desses jovens de, ao narrarem, recriam o mundo e suas vidas em meio à experiência limítrofe imposta pela peste. 2. Resultados alcançados Tratando-se de um trabalho ensaístico, sua proposta está calcada, sobretudo, nas análises, perguntas e desdobramentos que puderam se constituir a partir das discussões que foram aqui propostas e engendradas entre a obra O Decameron, o levantamento bibliográfico que nos levou às análises feitas por Cavallari e as proposições de Blanchot acerca da experiência narrativa como acontecimento ainda porvir e ao que chama de sua lei secreta. Dentre eles, destaco algumas perguntas e apostas que nos acompanharam e as que foram se desdobrando na construção desse trabalho. São elas: • Tomar a experiência narrativa em O Decameron como instrumento pérfuro-cortante se constituiu como aposta de que pode atingir-nos de modo a inaugurar, também em nós leitores, um regime de tecelagem outro, das imprevisibilidades, zonas de passagem às muitas vozes que se anunciam no seu processo de narrar. Entendemos que pode esta obra ter algo a nos dizer sobre uma afirmação, uma experimentação da vida na e pela diferença, numa indeterminação; • Atentos às proposições de Blanchot sobre a “lei secreta da narrativa” perguntamo-nos se não seria a esse seu movimento atraente e imprevisível ao que somos lançados. Ao narrarem episódios sem qualquer garantia de verossimilhança com a realidade e ao lançarem uns aos outros os fios (des) condutores das histórias, não estariam aqueles jovens compartilhando aquilo que a narrativa parece não preencher nunca, um movimento inacabado, tecida ao passo mesmo em que é contada? • As narrativas dessa obra nos atingem à medida em que escancaram a possibilidade de diferirmos de nós mesmos, abertos à diferenciação do mundo que tecemos. O Decameron parece nos apresentar as saídas criadas pela narração como inauguração de um modo de relacionar-se com o mundo e refazê-lo a partir da arte narrativa; • Embora não tenhamos desdobrado uma problematização dos dias atuais em que também partilhamos da experiência de pandemia, bem como do enclausuramento e da morte proeminente, pensamos que tais discussões feitas até agora poderiam, posteriormente, nos ajudar a tecer saídas também para nós no que tange a criação de caminhos narrativos ainda desconhecidos e reconstrução da vida e de nossas memórias frente à experiência limítrofe na qual estamos circunscritos. Conclusões Com as pistas deixadas pelo crítico literário francês e as contribuições de Cavallari, tentamos tomar a experiência narrativa em O Decameron como sendo, tanto em sua construção de vozes que se desdobram em múltiplas outras, como no jogo que convoca os jovens a criarem suas histórias e lançarem-se nesse processo – lançando-se também uns aos outros – uma encarnação da experiência narrativa como abertura a diferença, a uma indeterminação que sempre se coloca no momento de sua realização. Furtando-lhe, por sua vez, de ser uma mera reprodução de uma episódio vivido, senão o prenúncio, um embate mesmo, num jogo que está sempre em vias de acontecer. Desse modo, ensejamos, com esse trabalho abrir espaço à uma também experimentação da vida atravessada, forjada e permeada pelo agito de muitas vozes, num constante encantamento que nos conduz a perfazer um caminho adiante que é também indeterminação. Referências bibliográficas BLANCHOT, M. O canto das sereias. In: . O livro porvir. São Paulo: MartinsFontes, p.3-34, 2018. BOCCACCIO, G. O Decamerão. v.1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018. ___________________________. v.2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018. CAVALLARI, D. N. A palavra astuta: as estrat_egias discursivas e a modernidade do Decameron de G. Boccaccio. In: BAKHTINIANA, São Paulo, v. 1, n. 4, p. 6-16, 2o sem. 2010. __________________. A última coroa: Boccaccio e a gêneseda narrativa moderna. In: Morus - Utopia e Renascimento, Campinas, SP, v. 9, p. 11-20, 2013.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CANELLAS, Fernanda de França Iglesias. VOZES QUE SE AGITAM: A CRIAÇÃO NARRATIVA EM O DECAMERON E AS SEMENTES DE MUNDO LANÇADAS AO PORVIR.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/436868-VOZES-QUE-SE-AGITAM--A-CRIACAO-NARRATIVA-EM-O-DECAMERON-E-AS-SEMENTES-DE-MUNDO-LANCADAS-AO-PORVIR. Acesso em: 26/04/2025

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