A DESPATOLOGIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA EM TEMPOS DE COVID-19 SOB A LUZ DA DASEINSANALYSE

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
A DESPATOLOGIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA EM TEMPOS DE COVID-19 SOB A LUZ DA DASEINSANALYSE
Autores
  • Nayara Manhães Chagas Cobuci
  • Daniel Fonseca Ferreira
  • Crisóstomo Lima do Nascimento
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 38 - Contemporaneidade, interdisciplinaridade e tradições fenomenológicas e existenciais-humanistas.
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437256-a-despatologizacao-da-psicoterapia-em-tempos-de-covid-19-sob-a-luz-da-daseinsanalyse
ISSN
Palavras-Chave
Fenomenologia, covid19, psicoterapia, daseinsanalyse
Resumo
Introdução Na cultura ocidental, hegemonicamente, prevalece um tipo de cultura na qual experiências tais como angústia e medo, assim como outros modos de afetação que se mostram constituintes da existência, tendem a ser consideradas patológicas sem muita hesitação. Uma vez que durante a pandemia de Covid-19 tais afetos tendem a se intensificar, este trabalho é um convite a uma reflexão sobre alguns indicativos sob os quais a psicoterapia pode se afastar de um modo de compreensão que desvaloriza as possibilidades da existência em uma maior amplitude, e assim abrir caminhos para que o ser-humano se aproprie da sua história e das possibilidades de novos modos de ser nessa história. Baseada no método fenomenológico de Martin Heidegger, a Daseinsanalyse, que nasce de um olhar crítico sobre as perspectivas tradicionais da psique humana, iluminará a nossa pretensão de flexibilizar a possível cristalização de modos naturalizados do existir vigentes. Entende-se que compreender a complexidade da existência é uma convocação a se posicionar, integralmente, junto a pessoa que está em sofrimento e, não raramente, resistir a uma suposta necessidade de busca por teorias positivas que expliquem os sentidos ou aliviem a angústia da pessoa em questão. Amparados em problematizações de Michel Foucault, serão brevemente contextualizadas algumas influências transversais que a psicoterapia herda da clínica médica patologizante. E contraposto a isto, também serão consideradas as contribuições dos médicos Medard Boss e Ludwig Binswanger ao método psicoterapêutico daseinsanalítico para uma prática de psicoterapia mais despatologizada ao levar em conta as disposições afetivas do dasein. 1. Fundamentação teórica Em sua introdução ao livro Doença Mental e Psicologia, Foucault (1975, p. 4) inicia com uma pergunta que ajuda na reflexão do presente trabalho: “Sob que condições pode-se falar de doença no domínio psicológico?”. A partir dessa pergunta pode-se contextualizar e pensar fatos que perpassaram as práticas psicoterápicas ao longo do ano de 2020, momento em que nos encontramos arremetidos em direção à pandemia de Covid-19. Ao sermos lançados a esse encontro inesperado, ocorre uma convocação a refletirmos sobre certezas e pré-determinações em vários âmbitos. Um desses chamados é aquele que incorre sobre a Despatologização da Psicoterapia nestes tempos. Devido a isso, amparados em Foucault e já parafraseando sua pergunta introdutória, nos questionamos: Sobre que condições podemos falar de doença, enquanto patologização na prática psicoterapêutica, em meio a pandemia de Covid-19? No intuito de clarificar essas questões, iremos nos debruçar nas contribuições de Martin Heidegger em Ser e Tempo (1927) e Seminários de Zollikon (1987). Os principais pontos discutidos na Obra Seminários de Zollikon foram as possibilidades de entrelaçamento da fenomenologia e ontologia de Heidegger, construída ao longo de Ser e Tempo, à prática e teoria da psiquiatria, psicologia e psicoterapia. A Daseinsanalyse, inspirada na fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger descrita em Ser e Tempo, é uma prática psicoterapêutica que foi elaborada inicialmente pelo psiquiatra Ludwig Binswanger em 1941 (FEIJOO, 2011) e desenvolvida mais tarde pelo próprio Heidegger, ao lado de Medard Boss. O psiquiatra suíço Medard Boss, inspirado pelos trabalhos de Binswanger, e com o interesse de elucidar uma abordagem psicoterapêutica a partir da analítica existencial de Heidegger, se aproximou do autor através de uma carta que foi respondida por ele, em 1947, dando início a uma troca de correspondências, que resultou numa coleção de 256 cartas. (Zollikon, 2017) A psicoterapia, sob a luz da Daseinsanalyse, admite uma postura que visa compreender o ser-humano na integralidade do que é possível de se mostrar. Portanto, a postura do profissional inspirado pela compreensão daseinsanalítica não se restringe a uma terapia da alma, da mente, ou do corpo, mas sim a uma terapia do ser-no-mundo, sendo este um conceito de Heidegger que aponta para a unidade indissociável de ser humano e mundo de modo co-originários, histórica e mutuamente constituídos. 2. Resultados alcançados A prática do psicoterapeuta à luz da daseinsanalyse é de estabelecer uma interpretação fenomenológica da realidade. A realidade do dasein não pode ser algo pré-datado, uma vez que enquanto assim for, se distancia ainda mais do instante presente, não se mantendo junto ao fenômeno em sua temporalidade e sim ao que foi pré-datado. A postura da daseinsanalyse abre espaço para uma “Interpretação provisória da constituição fundamental da presença” (HEIDEGGER, 2020, p.419), se desfazendo do que é considerado normal ou não, e mantendo-se no possível de intensidade da relação ser-com junto ao sofrimento e inquietações do paciente. Segundo Heidegger (2020), em disposição, ao deixar sermos atingidos pelo que vem a nosso encontro no mundo, vamos dando tonalidades a este mundo à medida que o descobrimos e por ele somos tocados. É por intermédio da disposição afetiva que os entes são apreendidos como ameaçadores, interessantes, bons, temíveis etc. No movimento de estar ao lado dos desassossegos que se anunciam em sua relação com o paciente, o psicoterapeuta coloca em xeque os pressupostos que antecedem o encontro a fim de compreender em maior amplitude os afetos mais originais que se colocam dispostos àquele encontro. Ao falar de disposição afetiva, estamos falando dos afetos que nos estão dispostos antes mesmo de que se possa fazer categorizações sobre um estado de Humor. Como afirma Heidegger, o humor “não vem de ‘fora’ nem de ‘dentro’. Cresce a partir de si mesmo como modo de ser-no-mundo”(HEIDEGGER, 2020, p. 196). A angústia é uma disposição fundamental que determina, de forma latente, o ser-no-mundo, tornando possível que o temor apareça para o dasein. “Temor é a angústia imprópria entregue à de-cadência do “mundo” e, como tal, angústia nela mesma velada.”(HEIDEGGER, 2005, p. 254). Nesse contexto, a angústia pode estar velada pelo temor de sermos contaminados, de perdermos familiares e amigos, do desemprego, entre outros, distraindo-nos do encontro com o nosso modo de ser mais próprio. A angústia anuncia a perda de um modo naturalizado de ser, que não é mais possível, mas que não só não é possível pelo momento atual, como também não o era antes, pois não há garantias e certezas para o ser-no-mundo que se realiza a cada encontro em que afeta e é afetado. A psicoterapia, nessa esteira, não tem o intuito de eliminar angústia, mas sim sustentá-la, como uma lanterna que ilumina o dasein, permitindo aproximá-lo da sua liberdade mais própria de ser. Despatologizar a psicoterapia envolve não viver o padrão sistemático antropocêntrico (penso, logo existo) que não se duvida enquanto pensante. A proposta da Daseinsanalyse foge da dicotomia que coloca o psicólogo e sua prática enquanto detentores do saber, para diluir “no centro” o encontro do ser com o mundo. O centro passa a ser circular, descentralizado, e por isso pressupostos patologizantes tendem a ser repensados e até mesmo deixados de lado inicialmente para dar vida ao ser único, o paciente, o fenômeno que se desvela naquele aqui e agora. Nesse sentido, a escuta na daseinsanalyse, por se basear no tempo do aqui e agora e sob os demais indicativos que apontam sua escuta, tenta colocar entre parêntesis o “a partir de onde se vê”, de modo a não estabelecer conclusões precipitadas, as quais também já são desencadeadas por pré-concepções precipitadas desde o ponto de partida. Conclusões Despatologizar a psicoterapia está atrelado a trazer em questão como tal prática está em iminente risco de corresponder à expectativa do outro imerso na cotidianidade. A psicoterapia, ao se propor ser rigorosa cientificamente, não precisa se prestar a ser reconhecida por estabelecer sua prática em um primado de saber sobre o outro. Pelo contrário, precisa resistir serenamente às categorizações que lhe são solicitadas à medida que sua prática se torna cada vez mais visibilizada, principalmente em tempos de pandemia. Se torna tentador se ancorar na atitude irrefletida pela qual as pessoas respondem, encomendam e anseiam que a psicologia responda suas perguntas através do diagnóstico. Isso ocorre pois, também nesse contexto, a resposta à encomenda de medicalização que os sistemas fazem à psicoterapia tem o caráter de avaliar a própria efetividade da psicologia aos olhares da validação pelo pensamento hegemônico. Embora a disseminação do Covid-19 seja um fato histórico, se torna imprescindível à prática clínica dar-se conta de que cada ser-humano vive estes fatos de modos únicos em sua historicidade. Referências bibliográficas FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A clínica Daseinsanalítica: considerações preliminares. Rev. abordagem gestalt., Goiânia , v. 17, n. 1, p. 30-36, jun. 2011. Disponível em acessos em 02 fev. 2021. FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1975. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante. 10. ed. Petrópolis: Editora Vozes. 2020. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante. 15. ed. Petrópolis: Editora Vozes. 2005 HEIDEGGER, Martin. Seminários de Zollikon. 3a edição. São Paulo: Editora Escuta Eireli-ME, 2017.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

COBUCI, Nayara Manhães Chagas; FERREIRA, Daniel Fonseca; NASCIMENTO, Crisóstomo Lima do. A DESPATOLOGIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA EM TEMPOS DE COVID-19 SOB A LUZ DA DASEINSANALYSE.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437256-A-DESPATOLOGIZACAO-DA-PSICOTERAPIA-EM-TEMPOS-DE-COVID-19-SOB-A-LUZ-DA-DASEINSANALYSE. Acesso em: 30/04/2025

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