A (IN) APLICAÇÃO DA ADPF Nº 828 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS COLETIVOS DURANTE A PANDEMIA: REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
A (IN) APLICAÇÃO DA ADPF Nº 828 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS COLETIVOS DURANTE A PANDEMIA: REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES
Autores
  • Thamara Madeiro Melo
  • Marcela Simões Silva
  • Marcelo Eibs Cafrune
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 03 - Direito à moradia, política habitacional, regularização fundiária e direitos dos povos e comunidades tradicionais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485533-a-(in)-aplicacao-da-adpf-n-828-pelo-supremo-tribunal-federal-em-face-de-conflitos-fundiarios-coletivos-durante-a
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
arguição de descumprimento de preceito fundamental; direito à moradia; despejo; pandemia.
Resumo
1 INTRODUÇÃO A defesa da moradia enquanto direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro apresenta-se como condição primordial para a garantia da dignidade humana. Entretanto, ao nos depararmos com a política habitacional do país, é possível perceber a hegemonia da defesa do direito à propriedade em detrimento do direito à moradia. O processo de industrialização, somado à ausência de políticas públicas urbanas, privilegiou o acesso desigual à terra urbanizada e, consequentemente, ao direito à moradia, perpetuando uma desigualdade social através de uma segregação espacial. Destaca-se, especialmente, a transmudação da moradia enquanto direito para um ativo financeiro, servindo tão somente para atender aos interesses do mercado financeiro. Os dados acerca do quadro habitacional apontam que há 6,9 milhões de famílias sem casa para morar, enquanto existem cerca de 6,05 milhões de imóveis desocupados no país. Ainda, conforme informações disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5,127 milhões de domicílios ocupados são irregulares, proporcionando a iminência de despejos, remoções e reintegrações de posse. Foi nesse panorama que enfrentamos a pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2. A alta taxa de transmissão do vírus através do simples contato com indivíduos infectados e o número significativo de óbitos ensejaram campanhas globais indicando como medidas preventivas a higiene frequente e o distanciamento social. Dessa forma, a ordem “Fique em Casa!”, amplamente noticiada, era medida necessária para o combate à pandemia, mas como defender o slogan diante de um cenário jurídico que relega a moradia e a segurança jurídica da posse em prol da propriedade privada? É nesse sentido que a mobilização social ensejou a propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 14 de abril de 2021. O objetivo da presente ação consiste em suspender a expedição de medidas judiciais, administrativas ou extrajudiciais de remoção e /ou desocupação, reintegrações de posse ou despejo enquanto perdurarem os efeitos sobre a população brasileira da crise sanitária da COVID - 19”. Ao apreciar a demanda, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso deferiu parcialmente a medida cautelar, suspendendo os despejos e remoções de natureza coletiva pelo prazo de 06 meses, estabelecendo, inclusive, a necessidade de garantia de abrigos públicos ou de moradias adequadas.” Embora importante vitória para as organizações da sociedade civil em luta pelo direito à moradia, inclusive com a prorrogação dos seus efeitos até junho de 2022, ainda restam decisões de 1º grau contrárias ao entendimento da ordem estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, justificando ajuizamento de Reclamação Constitucional conforme previsto no ordenamento jurídico. Portanto, o presente artigo objetiva analisar, com base nas Reclamações Constitucionais apreciadas pelos Ministros e Ministras do STF, a aplicabilidade da ADPF nº 828 na garantia do direito à moradia. Através da metodologia de pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, pretendemos problematizar o entendimento da aplicação da ADPF nº 828 e o entendimento da Suprema Corte sobre o direito à moradia em um cenário pandêmico e seus reflexos para além desse cenário. 2 RECLAMAÇÕES CONSTITUCIONAIS RELACIONADAS À ADPF 828 NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA A Constituição Federal Brasileira estabelece, no §3º do artigo 130, que caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal do ato administrativo ou da decisão judicial que contrariar súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar. No Código de Processo Civil, o inciso III do artigo 988 adiciona que caberá reclamação da parte interessada para garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade. Desse modo, em decisão judicial que descumpra a medida cautelar proferida na ADPF 828, cabe reclamação constitucional objetivando sua suspensão. Nesse viés, analisamos as reclamações dentro do marco temporal a partir do deferimento parcial da ADPF até dezembro de 2021, considerando dois pontos:(a) referência e aplicação da ADPF 828 e (b) menção a direito à moradia. Através dessa análise, buscamos alcançar um indicativo do posicionamento do STF nestas 13 reclamações distribuídas entre 07 Ministras e Ministros. Nesta abordagem, foca-se nas observações dos pontos de maior relevância feitas após análise das fundamentações. Das 13 reclamações, 7 foram providas e, destas, 4 mencionaram direito à moradia. Grande parte das decisões foram embasadas apenas em questões processuais, sem discorrer sobre direito à moradia, o cerne do conflito. Os posicionamentos dos Ministros nas reclamações analisadas tendem a relativizar ou invisibilizar este direito social. Esta análise é sustentada pelas decisões orientadas somente por questões processuais ou por aquelas que reforçam a ideia de maior intervenção judicial nestes conflitos por causa da situação de crise sanitária, vinculando a efetividade do direito à moradia ao direito à saúde. Luís Roberto Barroso, relator da ADPF 828, em fundamentações das reclamações teceu comentário neste sentido, assentando o direito à moradia como importante para o momento de crise sanitária e como estratégia de combate a essa. Rosa Weber versa sobre a ponderação entre direito de propriedade e direito à saúde. Esta perspectiva é válida, pois com a necessidade de isolamento social como forma de combate a pandemia causada pelo Covid-19, a habitação tornou-se um dos meios preventivos mais necessários. Todavia, o direito fundamental à moradia deve ser efetivado independente de crise sanitária, deve ser assegurado para além de sua relação com o direito à saúde. Poucos Ministros discorreram sobre a ADPF 828, limitando-se a transcrever sua ementa. Chama-se atenção para as possibilidades de aplicação das hipóteses dispostas na ADPF, como a de reintegração em casos nos quais haja garantia pelo estado de habitação digna às pessoas em situação de vulnerabilidade. Uma das fundamentações de não provimento mais emblemática foi relatada por Alexandre de Moraes, o qual entendeu não haver aplicação do paradigma ao caso concreto, visto que o rito processual foi cumprido normalmente, isto é, houve reunião dos ocupantes com a Polícia Militar para uma melhor forma de despejo. Neste caso, 900 famílias moradoras de Zona Especial de Interesse Social foram despejadas mesmo sem indicação nos autos de qualquer ação do Poder Público visando assegurar moradia digna a essas pessoas. Como exceção, as reclamações relatadas pelo Ministro Edson Fachin, todas providas, tiveram uma sustentação orientada pela proteção dos direitos sociais. Em sua argumentação, destacou a função social como condicionante do direito de propriedade, abordou e aprofundou discussão sobre direito fundamental à moradia. Neste viés, mencionou precedente internacional para versar sobre as obrigações do Poder Público na proteção e efetivação do direito à moradia. Destacamos que é o único Ministro que traz um paradigma internacional de reconhecimento de direitos sociais e versa sobre o dever do Estado de atuar na concretização e proteção do direito social, formalmente estabelecido na Constituição Federal de 1988, mas de difícil acesso para pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza. Portanto, nas reclamações analisadas, as fundamentações para aplicação do paradigma pelos ministros relatores tendem a associar a proteção ao direito à moradia ao momento de crise sanitária. Já sustentando a não aplicação da ADPF, há uma discussão meramente processual. Nesta, há um perfil de ministros relatores mais conservadores, como Alexandre de Moraes e Nunes Marques, os quais não mencionam o direito fundamental à moradia no improvimento dos pedidos. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após análise das reclamações constitucionais foi possível perceber que a menção à ADPF nº 828 trouxe a defesa do direito à moradia ainda de forma muito superficial. Isto é, vincula-se a defesa ao marco temporal da pandemia, de modo ser possível vislumbrar que em tempos de "normalidade sanitária" haveria a autorização para despejos, remoções e reintegrações de posse, como de costume. Embora a moradia seja um direito fundamental, o judiciário demonstra profunda familiaridade com a defesa da propriedade privada em detrimento de garantir a segurança jurídica da posse e a moradia para inúmeras pessoas em situação de hipossuficiência. É necessário problematizar que a Suprema Corte do país ignora a moradia no seu aspecto positivo, sendo vaga na defesa jurídica na garantia de um direito fundamental. É praticamente inexistente o debate acerca do cumprimento da função social da propriedade e da moradia enquanto instrumento de dignidade, restringe-se o debate à questão sanitária de modo transitório e perene. As discussões trazidas pelo presente artigo buscam analisar, de maneira crítica, a necessidade da existência da ADPF para garantir o mínimo de humanidade e dignidade diante de um cenário de profunda crise sanitária, para garantir a suspensão de remoções de pessoas que não possuíam título de propriedade, mas também indicar que é preciso romper com o entendimento majoritário do judiciário. Pretende-se, por fim, destacar a mobilização para que o entendimento e a defesa da moradia trazida pela ADPF nº 828 sejam reconhecidos e garantidos para além do cenário da pandemia. Em conclusões parciais, espera-se avançar no debate que as remoções e reintegrações de posse, especialmente em conflitos coletivos fundiários, são violações no campo dos direitos fundamentais. Para além de um período de pandemia, a defesa jurídica do direito à moradia e seu reconhecimento devem ser ponto norteador da garantia da vida e da dignidade humana. REFERÊNCIAS BRASIL Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nº828. Relator: Ministro Luiz Roberto Barroso,, 2021. Disponível em: <https://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STF/attachments/STF_ADPF_828_f3ce1.pdf?AWSAccessKeyId=AKIARMMD5JEAO67SMCVA&Expires=1643987643&Signature=YldbSzX5uO8%2BEpIuM%2Bw3W9jkqlw%3D>. Acesso em: 03 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 47531 RJ 0054629-97.2021.1.00.0000, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 12/06/2021, Data de Publicação: 15/06/2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1232159705/medida-cautelar-na-reclamacao-rcl-47531-rj-0054629-9720211000000/inteiro-teor-1232159758>. Acesso em: 01 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 47925 RO 0056158-54.2021.1.00.0000, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 30/06/2021, Data de Publicação: 02/07/2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1240867674/reclamacao-rcl-47925-ro-0056158-5420211000000/inteiro-teor-1240867677>. Acesso em: 02 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 48108 SP 0056885-13.2021.1.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 13/09/2021, Data de Publicação: 16/09/2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1284578315/reclamacao-rcl-48108-sp-0056885-1320211000000>. Acesso em: 04 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 48273 MT 0057310-40.2021.1.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 07/07/2021, Data de Publicação: 13/07/2021.Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1246727471/medida-cautelar-na-reclamacao-rcl-48273-mt-0057310-4020211000000/inteiro-teor-1246727482>. Acesso em: 04 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 48683 SP 0058604-30.2021.1.00.0000, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 03/08/2021, Data de Publicação: 13/08/2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1264654499/medida-cautelar-na-reclamacao-rcl-48683-sp-0058604-3020211000000/inteiro-teor-1264654519>. Acesso em: 02 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 48922 SP 0059291-07.2021.1.00.0000, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 13/08/2021, Data de Publicação: 17/08/2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1266694128/medida-cautelar-na-reclamacao-rcl-48922-sp-0059291-0720211000000/inteiro-teor-1266694132>. Acesso em: 02 de fev. de 2022. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Rcl: 49120 MS 0060106-04.2021.1.00.0000, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 26/08/2021, Data de Publicação: 30/08/2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273844316/medida-cautelar-na-reclamacao-rcl-49120-ms-0060106-0420211000000>. 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Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

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MELO, Thamara Madeiro; SILVA, Marcela Simões; CAFRUNE, Marcelo Eibs. A (IN) APLICAÇÃO DA ADPF Nº 828 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS COLETIVOS DURANTE A PANDEMIA: REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485533-A-(IN)-APLICACAO-DA-ADPF-N-828-PELO-SUPREMO-TRIBUNAL-FEDERAL-EM-FACE-DE-CONFLITOS-FUNDIARIOS-COLETIVOS-DURANTE-A. Acesso em: 28/04/2025

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