TRAGÉDIA ANUNCIADA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A ATUAÇÃO DE REDES DE SOLIDARIEDADE EM CONTEXTO DE PANDEMIA E ALAGAMENTO EM SALVADOR-BAHIA.

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
TRAGÉDIA ANUNCIADA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A ATUAÇÃO DE REDES DE SOLIDARIEDADE EM CONTEXTO DE PANDEMIA E ALAGAMENTO EM SALVADOR-BAHIA.
Autores
  • Emilly Mascarenhas Costa
  • Laercio Gomes Rodrigues
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 04 – Despejos, remoções e conflitos fundiários
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485824-tragedia-anunciada--um-estudo-de-caso-sobre-a-atuacao-de-redes-de-solidariedade-em-contexto-de-pandemia-e-alagame
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
direito à cidade, moradia, salvador.
Resumo
1 INTRODUÇÃO O Bairro da Paz (BP) é uma das maiores periferias urbanas de Salvador, localizado em uma das mais importantes vias da cidade, a Avenida Luís Viana Filho. Sua formação relaciona-se, diretamente, com o processo de luta pelo direito à cidade que ocorria em todo o país durante as décadas de 1970 e 1980, e que marca a sua constituição política e capacidade de organização ainda hoje. Neste trabalho, temos como objetivo analisar os impactos da ação do Estado na moradia da população mais pobre diante da necessidade imperativa de “ficar em casa” durante os anos iniciais da pandemia do SARSCOVID19. Para isso, tomamos como marco temporal o dia 08 de abril de 2021, quando os moradores da Rua da Beira Rio –Bairro da Paz se viram obrigados a abandonar suas casas em meio a um dos momentos em que a mortalidade em decorrência da Covid19 atingia seus números mais elevados. São questões fundamentais para este trabalho: de que modo o Estado faz cumprir o direito à cidade, tão caro para acadêmicos e militantes? Quais são as ações do Estado para evitar situações como a ocorrida no dia 08 de abril de 2021? E quais as ações para minimizar os danos econômicos, sociais e sanitários diante do acontecido? Este trabalho busca compreender como segmentos sociais que reivindicam o direito à cidade, e que já viviam em situação de segregação socioespacial e ameaça de despejo, lidam com novas ameaças na pandemia. Partimos de alguns conceitos centrais, tais como: direito à cidade, ação do Estado e solidariedade. A ideia de direito à cidade deve ser compreendida, neste trabalho, através da articulação do conceito cunhado por Henry Lefebvre e da sua atualização desenvolvida por David Harvey , entendendo-o como um direito superior a direitos que estão relacionados à vida urbana, sem deixar de relacioná-lo à ação sobre a cidade, considerando-o, no cenário atual, como um direito proveniente das ruas, como a luta constante de grupos que foram, através de um processo socioeconômico e político, excluídos de sua construção. A ação do Estado é pensada desde a perspectiva que as políticas públicas, executadas pelos diferentes níveis de governo, devem ser compreendidas como as ações dos governos imersas em processos políticos que envolvem atores e interesses diversos, o que nos leva a assumir a política pública como aquilo que o governo decide fazer ou não fazer, entendendo que cada ação ou não-ação é uma decisão tomada levando em consideração os interesses envolvidos . O conceito de solidariedade, por sua vez, é pensando através da ideia de que redes sociais ou de sociabilidade, que nos ajudam a perceber as relações dos indivíduos ou grupos de maneira dinâmica e situacional, se formam do movimento e das escolhas dos atores e das articulações de diferentes processos de suas trajetórias, que os conectam e vão os constituindo como sujeitos. Devem ser compreendidas, então, como um vínculo construído e que emerge a partir das experiências e relações vivenciadas pelos atores no cotidiano. 2. METODOLOGIA E ANÁLISE A análise empírica está direcionada em três sentidos: na ampliação de riscos às famílias, no funcionamento de redes de solidariedade e na ação da gestão pública nesses locais. Tomamos o dia 08 de abril de 2021 como o marco deste trabalho por ser o dia em que os moradores da Rua Beira Rio, do Bairro da Paz, se viram obrigados a deixar suas casas devido às cheias do Rio Jaguaribe, em meio ao momento mais crítico da pandemia no Brasil. Verifica-se, a partir desta situação, que dezenas de moradores do Bairro da Paz foram desabrigados em virtude da combinação da ação da natureza e da ação humana . Ainda que a pandemia tenha sido taxativa a nos exigir distanciamento e isolamento social, moradores e líderes comunitários se articularam por toda a comunidade para prestar solidariedade aos vizinhos mais próximos e mais desafortunados. A circulação de informações e discussões se intensificou através redes remotas e lives que explodiram como modos de se comunicar. No Bairro da Paz, após situações que impactam fortemente a comunidade, é usual que lideranças se juntem para decidir soluções conjuntas. Isso é característico de sua forte organização comunitária. Após a enchente de 8 de abril de 2021, rapidamente decidiram arrecadar variados tipos de doações para as famílias afetadas. Instituições atuantes no BP, moradores, lideranças e pessoas que compõem suas redes religiosas, sociais e políticas atuaram, durante semanas que se seguiram, apoiando as vítimas. Redes de solidariedade que vinham atuando desde o começo da pandemia, no apoio aos mais vulneráveis, fornecendo-lhes alimentação, máscaras, produtos de higiene, etc., na situação da enchente, intensificaram mais e novos tipos de auxílios, como doação de móveis e criação de abrigos. A necessidade de cuidados e distanciamento, exigidos para conter a disseminação da Covid-19, se viu confrontada com a impossibilidade de se proteger em casas, inviabilizada pela enchente: seja para aqueles cujas casas não eram mais espaços seguros, como para os que, solidários com os próximos, foram para as ruas no momento da segunda onda de Covid-19, em que mais se morria no país. Se, de um lado, essa comunidade demonstrou seu alto e rápido poder de organização, do outro, as ações do Estado ficaram aquém do esperado. O Aluguel Social ou abrigo temporário não foram universais para todas as pessoas, como relatou Josefa, uma das vítimas, em reunião virtual. Grande parte dos desabrigados se viram desprovidos do atendimento às necessidades mais básicas, como alimentação, abrigo e higiene, na fase mais crítica da pandemia. A ausência de ações de assistência do Estado da Bahia contrastou com as produzidas pela inação da CONDER (responsável no governo estadual pelas obras de requalificação) em evitar a enchente que causou a tragédia. O fato da CONDER ter seu escritório localizado na sede do Conselho de Moradores do BP fez com que moradores e líderes esperassem ações mais robustas de sua parte, no suporte às famílias afetadas, mas isso tampouco ocorreu. A inação do Estado e a rápida organização da comunidade foram temas de reunião, realizada virtualmente pelo Fórum de Entidades Permanente do Bairro da Paz, que debateu os impactos e possíveis ações ante o alagamento. Na ausência de respostas efetivas estatais, lideranças encaminharam um relatório à CONDER, descrevendo os principais impactos das enchentes e a inércia dos órgãos responsáveis. Além das queixas apresentadas, o documento criticou manobras do Estado em intentar esvaziar a Comissão de Acompanhamento das Obras , devido à ausência de diálogo real e efetivo com a empresa, que não respeita as decisões comunitárias. O mês de abril de 2021 foi dramático em termos de insegurança sanitária e financeira no Brasil, quando ultrapassamos a média de 400 mil mortes pela Covid-19, com o crescimento de pouco mais de 20% em relação a março de 2021. O Auxílio Emergencial passava por uma nova fase, com restrição no acesso e redução do valor pago, o que impactou significativamente a economia nacional e local. Jonas, líder comunitário do BP que atuou em campanhas de arrecadação de alimentos em 2020 e 2021, distinguiu três diferentes fases da pandemia na comunidade até então: 1) um “boom de informações”, momento em que a pandemia tornou-se uma preocupação central, transformando a vida cotidiana; 2) chegada do Auxílio Emergencial, possibilitando que moradores desenvolvessem outros tipos de atividades econômicas, via informalidade, reconhecidas como empreendedoras; e 3) fase da escassez, oriunda da ausência/redução do Auxílio e das condições de empregabilidade, na qual os moradores se viram sem fontes de renda. No cenário descrito, se evidenciou que a enchente de abril e o perigo iminente de novos alagamentos tornaram os moradores muito mais vulneráveis e sem possibilidade de manter-se em suas casas, como moradias seguras, suposto imperativo para a preservação da saúde. Frente à inação dos poderes públicos em sanar e abrandar a situação de emergência dentro de uma conjuntura já problemática, observou-se como a comunidade se organizou de maneira muito rápida, de modo voluntário, facilitado pela sua anterior tecnologia e preparo em organização comunitária. O BP é reconhecido pelo seu alto grau de organização comunitária, desde sua origem que lhe garante a permanência nesse local, como nas lutas subsequentes para ampliar sua infraestrutura interna. Como dito, antes e durante a pandemia, várias instituições que atuam na comunidade realizaram ações filantrópicas – com ênfase na distribuição de cestas básicas/alimentos; destacando-se os trabalhos da Santa Casa de Misericórdia, igrejas e centros religiosos de diversos cultos, e sua Base Comunitária de Segurança (BCS, uma das poucas que representa a gestão pública). As redes de solidariedade de instituições, líderes e moradores tiveram papel central no enfrentamento das crises sanitária, econômica e da enchente. A possibilidade de organização e rápido contato com as redes construídas ao longo dos anos de luta e de ativismo dos moradores do BP possibilitaram que campanhas desenvolvidas pela pandemia não fossem enfraquecidas pela extensão do período de doações. Pelo contrário, os atores sociais envolvidos nas campanhas para as vítimas das enchentes contam como o trabalho foi intenso, não só pela necessidade de ajuda, mas pela quantidade/qualidade das doações recebidas (de dentro e fora do bairro). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em situações como as apresentadas, perguntamos: quais são as garantias dadas pelo poder público à manutenção das condições básicas de existência que se agravam quando aumentadas por desastres ambientais? Em contextos de pobreza urbana como os tratados, como o direito à cidade é construído pelo poder público e pelos atores que o buscam cotidianamente? Poder público e sociedade civil operaram de modos distintos. Apesar da pandemia ensejar a urgência de medidas protetivas, com destaque aos mais pobres, ações dos entes públicos se guiaram mais por critérios de ordenamento territorial, envolvendo obras do presente ou de futura (re)qualificação urbana que deixaram de fora as necessidades habitacionais das populações pobres: o poder público negligenciou os indicativos que antecipavam a ocorrência de uma enchente, deixando de agir preventivamente e, aparentemente, não protegeu tanto as famílias após o ocorrido. Vê-se, com base na análise situacional aqui descrita, que o direito à cidade, com foco nos segmentos sociais que reivindicam o usufruto da estrutura e dos espaços públicos urbanos, em especial o direito à moradia, se encontra extremamente ameaçado, mesmo no contexto de crises pandêmica/econômica e com leis que, teoricamente, deviam protegê-lo. Questões sociais, que já se dramatizavam em todo o globo, foram aprofundadas, como aumento da pobreza, precarização do trabalho, ameaça à integridade dos corpos e inseguranças habitacionais. E a inação e omissão do Estado, como observado, aprofundam a crise desses segmentos. Por seu lado, estes sujeitos tendem a se apoiar em redes de solidariedade de vizinhos, a erguer suas moradias ou procurar permanecer no local, se contrapondo e enfrentando a ordem urbana imperante, na reinvindicação do seu direito de fazer parte da cidade. REFERÊNCIAS DYE, T. R. Policy Analysis. In: ______. Understanding public policy. 11ed. New Jersey: Prentice-Hall, 2005. p. 3-13. HARVEY, D. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014. LEFEBRVE, H. O direito à cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

COSTA, Emilly Mascarenhas; RODRIGUES, Laercio Gomes. TRAGÉDIA ANUNCIADA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A ATUAÇÃO DE REDES DE SOLIDARIEDADE EM CONTEXTO DE PANDEMIA E ALAGAMENTO EM SALVADOR-BAHIA... In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485824-TRAGEDIA-ANUNCIADA--UM-ESTUDO-DE-CASO-SOBRE-A-ATUACAO-DE-REDES-DE-SOLIDARIEDADE-EM-CONTEXTO-DE-PANDEMIA-E-ALAGAME. Acesso em: 28/04/2025

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