A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DE CHICAGO NOS ESTUDOS SOBRE QUESTÕES RACIAIS NAS CIDADES BRASILEIRAS

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DE CHICAGO NOS ESTUDOS SOBRE QUESTÕES RACIAIS NAS CIDADES BRASILEIRAS
Autores
  • Mayã Martins Correia
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 06 – Direito à cidade e o combate ao racismo, ao machismo, à LGBTfobia e a outras formas de opressão
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485998-a-influencia-da-escola-de-chicago-nos-estudos-sobre-questoes-raciais-nas-cidades-brasileiras
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Escola de Chicago; raça; cidades brasileiras
Resumo
A presente comunicação possui o objetivo de compreender a influência da Escola de Chicago nos estudos raciais sobre as cidades brasileiras. Utiliza-se a metodologia de pesquisa bibliográfica no levantamento e na análise crítica de trabalhos publicados sobre o tema com intuito de atualizar, desenvolver o conhecimento e contribuir com os estudos que relacionam as questões raciais com o direito à cidade. O conceito de direito à cidade, elaborado por Lefebvre (1), dispõe sobretudo acerca dos lugares de convivência para encontro e trocas, com ritmos que permitam, pelo arranjo do tempo, o uso pleno desses momentos e espaços da cidade pelas pessoas. Todavia, o autor igualmente considera que, para além de tais elementos, os espaços urbanos são intencionalmente divididos, parcelados e dispersos. Considera-se que a questão racial vem a ser central nesse debate, o qual foi inaugurado por Lefebvre e se relaciona com controvérsias da Escola de Chicago. Parte-se da premissa de que a Escola de Chicago foi “a primeira a tomar a cidade como ‘laboratório privilegiado de mudança social’”, nas palavras de Frúgoli Jr. (2005: 134) (2). Considerável parcela das pesquisas desenvolvidas nesse contexto - com base na Universidade de Chicago, EUA, e englobando o período de 1915 até no entorno de 1940 - concentrou-se em estudos que, a partir de questões ecológicas, buscavam as explicações para o crime e a delinquência. Para tais autores, de modo geral e sintético, as explicações encontravam-se na influência do ambiente. Um dos principais autores da Escola de Chicago, Burgess (3) não considera a questão racial como uma variável relevante. Já Park (4), outro autor de destaque, observa-se a percepção de distinções aplicáveis à raça, de modo que o preconceito se situa fronteira que delimita essa distância social, sendo a disposição para a manutenção das distâncias sociais, segundo a leitura de Guimarães (5). Em análise sobre as reflexões desenvolvidas pela Escola de Chicago, Becker (6) – que é responsável por inverter uma das perguntas chave para os autores de Chicago, indagando sobre o que o comportamento criminal produz – considera que a indagação sobre os diferentes tipos de população, envolvendo grupos étnicos e raças, estavam em pauta na busca pela resposta acerca de em que lugar da cidade – e por quais motivos – se concentravam as atividades criminosas. Becker aponta que foi a partir dessa problemática que Park elaborou noções como a de região moral. Na visão de Park (7), as “regiões morais” são uma característica do desenvolvimento da cidade, relacionando-se com projetos, valores e estilos de vida, bem como o modo segundo o qual o espaço é apropriado socialmente. Park é um dos sociólogos pioneiros no tema da cidade conjugado com o conceito de raça, ainda nos anos 1930, de acordo com Eckardt (8). Todavia, desde 1912 o autor lecionava cursos sobre relações raciais na Universidade de Chicago, tendo percorrido diversos países - tais como Japão, China, Índia e África do Sul - para ampliar sua análise sobre relações raciais para além do contexto específico dos EUA. No início dos anos 1930 Park visita o Brasil e estabelece relações com Oliveira Vianna, Arthur Ramos e Nina Rodrigues, conforme os estudos de Maio e Lopes (9). Destaca-se que tais nomes atualmente são negativamente abordados pelos pesquisadores da área dos estudos raciais, com considerações, por vezes, notoriamente racistas – o mesmo ocorreu, como se trabalha a seguir, com as relações que Pierson estabeleceu no Brasil. Pierson é um aluno de Park que se torna conhecido por aprofundar-se na questão racial. Ingressa na Universidade de Chicago nos anos 1920, já consolidada como uma instituição de renome. A admiração de Pierson por Park perdurou por toda a sua trajetória. No texto escrito na ocasião do falecimento de Park, Pierson (10) destaca que os estudos do autor abriram novas perspectivas de pesquisa nos campos das relações raciais. Oliveira (11) considera que o “período áureo” da Escola de Chicago ocorreu quando Pierson se formou sobre a orientação de Park. Pierson assume em 1933 o compromisso de conduzir dali a alguns anos Brasil pesquisas no Brasil que poderiam contribuir para o avanço das análises de Park, tendo seus estudos acompanhados, além do seu professor, por Wirth e por Redfield, outros dois autores célebres da Escola de Chicago. É na Bahia que Pierson realiza a sua pesquisa, tendo permanecido por dois anos, de 1935 a 1937. A atenção do autor voltou-se sobretudo para o contato entre brancos e negros. Além das pesquisas em território baiano, Pierson também se ocupou da consolidação formal da sociologia paulistana, de modo que por meio da “perspectiva da Sociologia de Chicago que ele ensinou, e integração com os ideais da elite paulista, que fundou a Escola Livre de Sociologia”, nas palavras de Oliveira (1987: 41) (11). De acordo com Mendoza (12) os estudos da Escola de Chicago exerceram, influência em três campos no Brasil, sendo eles: as questões raciais, principalmente no que se refere às relações entre negros, brancos e imigrantes; os estudos de comunidade, especificamente aqueles acerca das pequenas cidades rurais; os estudos na cidade, sobretudo São Paulo. Juntamente com Park, Pierson ministrou em 1938, um seminário sobre “Raça e Cultura” na Universidade de Chicago. Em 1942, a tese de Pierson, elaborada com base nas pesquisas desenvolvidas na Bahia, foi publicada pela University of Chicago Press, com uma introdução de Park. Intitulado Negroes in Brazil: a study of race contact at Bahia, o trabalho foi agraciado com o prêmio Anisfield, outorgado pela Social Science Research Council, na qualidade de melhor livro científico do ano acerca do tema das relações de raça no mundo contemporâneo”. Na tese, Pierson (13) retoma o conceito de distância social de Park1, percebido em sua obra como fundamental para a compreensão do contato racial. Por meio de tal arcabouço teórico, Pierson observa a distribuição racial de - em suas classificações - pretos, mulatos e brancos em seus respectivos empregos, com o propósito de posicionar, em termos de análise do status social, a distribuição pela sociedade local de cada um desses grupos. Segundo Valladares (14), como figura com trânsito dentre a elite intelectual brasileira, Pierson será responsável por, a partir de sua análise acerca da integração dos negros, introduzir o ciclo de relações raciais de Park nos meios da sociologia brasileira. Além de impactar a sociologia brasileira com influências das teorias desenvolvidas pela Escola de Chicago, sobretudo as de Park, Pierson desempenhou uma contribuição dúbia acerca do legado dos seus próprios escritos. Apesar de apresentar estratégias metodológicas bem articuladas, cuidadosas e exitosas - como a pesquisa etnográfica e uma rica montagem de pesquisa quantitativa - Pierson reproduziu em sua teoria pensamentos nitidamente racistas. Tais manifestações encontravam eco nas produções que circulavam com desenvoltura nos meios acadêmicos brasileiros, como a harmonia racial de Gilberto Freyre, que junto com Arthur Ramos compunha a “Escola da Bahia”. Freyre e Ramos inclusive assinaram o prefácio da obra de Pierson, a qual situava na permanência do “modo de vida africano” - e da ausência do seu reconhecimento no Brasil - os problemas sociais que eram vivenciados na Bahia, segundo Eckardt (8). Pierson (13) concluiu sua obra constando que atributos alheios à raça ou cor do indivíduo - como nível educacional, riqueza e prática de hábitos de etiqueta - desempenham maior influência no condicionamento da sua posição social. De todo modo, alguns críticos apontam, conforme Maio e Lopes (9), que tais conclusões de Pierson não são condizentes com as dimensões que o autor aponta em sua pesquisa, especialmente aquelas vinculadas ao trabalho etnográfico. Observa-se como não apenas Pierson exerceu influência sobre os estudos urbanos brasileiros, como, por sua vez, as elaborações teóricas do autor foram atravessadas pelas produções intelectuais em voga no Brasil. Há de se considerar que Pierson é “um homem do seu tempo”, devendo o leitor considerar o contexto e influências do autor. Entretanto, neste cenário aqui analisado, é preciso atentar, igualmente, para dois autores que foram eclipsados pela projeção de Pierson. São pesquisadores que não somente foram seus contemporâneos como também estavam sob orientação de Park e realizavam pesquisas com escopos similares e no mesmo lócus de trabalho de campo, na Bahia. Após retornar aos EUA, Pierson foi seguido por Ruth Landes e Franklin Frazier. Contudo, contrariamente a Pierson, seus trabalhos não foram tão reconhecidos, tanto nos EUA quanto no Brasil. Diferentemente de Pierson, Landes (15) e Frazier (16) dedicaram-se explicitamente aos preconceitos raciais produzidos nos contatos entre brancos e negros. Tal escolha foi rejeitada com veemência pelos intelectuais da “Escola da Bahia”, capitaneada por Freyre e Ramos. Landes e Frazier quais foram desqualificados, sobretudo ela, que foi rechaçada por Ramos em função do seu olhar atento às relações de gênero ao analisar os contatos interétnicos, especificamente no que tange os temas da maternidade e da homossexualidade, segundo Eckardt (8). Apesar de menos conhecidos, consideramos que trazer para o debate Landes e Frazier a partir do encontro da influência de Pierson nos estudos raciais das cidades brasileiras nos permitem acessar camadas de compreensão tanto acerca dos debates travados na Escola de Chicago quanto sobre as disputas de ideias que eram vivenciadas no Brasil daquele período, que tiveram consequências na formulação de políticas públicas relativas ao direito à cidade e exercem infuência ainda nos dias atuais. As reflexões da Escola de Chicago sobre a teoria da desorganização social permitem visualizar como suas preocupações impulsionaram avanços metodológicos, tais como mapeamentos e a vasta realização de etnografias em cidades. Contudo, tanto na questão do crime como no aspecto das distinções raciais, há a ênfase na transmissão da cultura do crime ou da perpetuação do preconceito. São oferecidos poucos detalhes sobre as origens dessa cultura e dessa perpetuação. Não há a inversão de tais questões, como posteriormente Becker indagou. No caso específico da criminalidade, o crime é usado tanto como consequência da desorganização social como sua evidência. As teorias e relações desenvolvidas por Pierson, Landes e Frazier - bem como de como foram suas recepções nos EUA e, sobretudo, no Brasil - trazem um enquadramento de disputas que envolviam as investigações sobre relações raciais nos estudos realizados no Brasil durante aquela época. Observar tais discussões é uma forma de compreender mais profundamente quais ideias estavam em jogo naquele período relevante para a conformação da área de estudos raciais nas cidades brasileiras. Referências: 1 LEFEBVRE, Henri. Direito à cidade. São Paulo: Centauro Editora. [1968] 2001. 2 FRÚGOLI JR., H. “O urbano em questão na antropologia: interfaces com a sociologia”. Revista de Antropologia, v48, n1, 2005. p. 135-165 3 BURGESS, E. The Growth of the City. An introduction to a research project. In: BURGESS, E.; PARK R.; MCKENZIE, R. The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment. Chicago: TUCP, 1925. p. 47-62. 4 PARK, R. Community Organization and Juvenile Delinquency. In: PARK, Robert E.; BURGESS, E.; MCKENZIE, R. The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment. Chicago: TUCP, 1925. p. 99-112. 5 GUIMARÃES, R. A Escola de Chicago e a Sociologia no Brasil: A passagem de Donald Pierson pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Dissertação. Mestrado em Sociologia, Universidade de Campinas, 2011. 6 BECKER, H. A conferência de Chicago. MANA, Rio de Janeiro, v2, n2, 1996. P. 177-188. 7 PARK, Robert E. A cidade. Sugestões para a investigação do comportamento humano no meio ambiente urbano. In: VELHO, O. O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Ed, [1915] 1967. p. 29-72. 8 ECKARDT, F. “‘Chicago” no Brasil a importância da redescoberta da cidade e da ‘raça’”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n79, 2014. p. 80- 513. 9 LOPES, T.; MAIO, M. C.. Entre Chicago e Salvador: Donald Pierson e o estudo das relações raciais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v30, n60, 2017. p. 115-140. 10 PIERSON, D. “Robert E. Park: Sociólogo-Pesquisador”. Sociologia, v6, n4, 1944. 11 OLIVEIRA, L. L.. “Donald Pierson e a Sociologia no Brasil”. BIB, Rio de Janeiro, n23, 1987. p. 35-48. 12 MENDOZA, E. “Donald Pierson e a escola sociológica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidade de São Paulo (1935-1950)”. Sociologias, Porto Alegre, n14, 2005. p. 440-471. 13 PIERSON, D. Negroes in Brazil: A Study of Race Contact at Bahia. Chicago: TUCP, 1942. 14 VALLADARES, L. P. “A visita do Robert Park ao Brasil, O ‘Homem Marginal’ e a Bahia como laboratório”. Caderno CRH, Salvador, v23, n58, 2010, p. 35-49. 15 LANDES, R. “A Cult Matriarchate and Male Homosexuality”. Journal of Abnormal and Social Psychology, v35, 1940, p. 386-397. 16 FRAZIER, E. “The Negro Family in Bahia, Brazil”. American Sociological Review, v7, n4, 1942, p. 465-478.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CORREIA, Mayã Martins. A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DE CHICAGO NOS ESTUDOS SOBRE QUESTÕES RACIAIS NAS CIDADES BRASILEIRAS.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485998-A-INFLUENCIA-DA-ESCOLA-DE-CHICAGO-NOS-ESTUDOS-SOBRE-QUESTOES-RACIAIS-NAS-CIDADES-BRASILEIRAS. Acesso em: 29/04/2025

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