PARA ONDE VÃO AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA? A LUTA DO MOVIMENTO DE MULHERES OLGA BENÁRIO E DA CASA DE REFERÊNCIA MULHERES MIRABAL PELA VIDA DAS MULHERES

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
PARA ONDE VÃO AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA? A LUTA DO MOVIMENTO DE MULHERES OLGA BENÁRIO E DA CASA DE REFERÊNCIA MULHERES MIRABAL PELA VIDA DAS MULHERES
Autores
  • Bárbara Rodrigues
  • Daniele Caron
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 06 – Direito à cidade e o combate ao racismo, ao machismo, à LGBTfobia e a outras formas de opressão
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/486137-para-onde-vao-as-mulheres-vitimas-de-violencia--a-luta-do-movimento-de-mulheres-olga-benario--e-da-casa-de-refer
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
violência de gênero, luta, mulheres
Resumo
1 INTRODUÇÃO Ao pensar nas relações sociais dentro do espaço urbano, são as mulheres, considerando os marcadores de classe e raça, que se encontram em maior situação de vulnerabilidade social e opressão, ocupando majoritariamente os postos informais de trabalho, recebendo as piores remunerações e com maior dificuldade de acesso à moradia e disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos. Como se não bastasse, essas mulheres - muitas delas chefes de família - não conseguem acessar a cidade e vivê-la de forma digna e costumam ter seus corpos como alvos de violência, por meio de violações de diferentes ordens: psicológica, física, sexual, material, moral e institucional. Sabe-se que comumente essas violências ocorrem dentro dos próprios lares, por parte de seus cônjuges e companheiros. Enquanto isso, o Estado mantém as mulheres nessa condição de precariedade, por meio de uma política induzida com exposição maximizada das populações mais expostas à violência e de instrumentos judiciais que não propiciam proteção e minimização suficientes . Diante do quadro histórico de violências, as mulheres (e demais grupos subalternos-oprimidos) precisam se articular por meio de lutas e encontrar outras formas de sobrevivência e resistência em seus territórios. Entre as formas de articulação e organização coletiva estão as ocupações urbanas feministas que, enquanto territórios populares de luta e de construção política, vem protagonizando debates e práticas interseccionais de combate ao racismo, à homofobia e com ênfase no feminismo . Estas ocupações, escapam ao modo de vida reprodutiva e doméstica imposto, desnaturalizando as noções patriarcais de corpo feminino, tornando-se um corpo enquanto território político, produtivo e epistêmico. Além disso, ao travar tais batalhas, acabam complexificando as noções de corpo e território, já que cada corpo pode ser entendido com um campo de batalha que precisa estar aberto a transformações - pois ao mesmo tempo que é agredido, precisa se defender e se reinventar a partir de enfrentamentos e da união de forças, tecendo alianças para sobreviver, tornando-se essa ideia-força chamada de corpo-território . Este texto forma parte das reflexões da pesquisa de mestrado “Existo porque resisto: o corpo-território da Casa de Referência Mulheres Mirabal como expressão política de um outro modo de construir o espaço urbano”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da UFRGS. Nesse sentido, intenciona problematizar a precarização das políticas e serviços públicos de defesa da mulher contra os diversos tipos de violência, trazendo à tona o Movimento de Mulheres Olga Benário e as respectivas ocupações urbanas como protagonistas das lutas contra a cidade patriarcal historicamente instaurada e ainda vigente na atualidade. 2 É PRECISO AVANÇAR NAS ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA Nos últimos anos, o Brasil teve inúmeros avanços político-legislativos sobretudo no que diz respeito ao combate à violência contra a mulher, como é o caso da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, 2006) e das leis que priorizam as mulheres vítimas de violência no aluguel social e nas políticas habitacionais. Hoje, em teoria, o país também possui “uma importante rede protetiva de enfrentamento e assistência às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, composta por diferentes instituições — como as Delegacias da Mulher, os Centros de Referências, às Casas-Abrigo, a Central de Atendimento à Mulher (180) .” Todavia, percebe-se que essas medidas não têm sido suficientes para conter o aumento do número de casos de violências contra a mulher, nem tampouco, delineiam caminhos e alternativas de reinserção socioeconômicas e não constroem um trabalho de tomada de consciência da origem estrutural dessa violência. Deve-se lembrar também que a quantidade de municípios que conta com equipamentos públicos que ofereçam serviços especializados de atendimento e amparo às mulheres vítimas de violência são ínfimas e insuficientes, a exemplo das Casas-abrigo e das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM). Segundo dados do IBGE , em levantamento realizado entre os anos de 2018 e 2019. Dos 5568 municípios brasileiros, apenas 417 possuem delegacias especializadas, o que corresponde a apenas 7,5% do total de municípios. Enquanto isso, o número de Casas-Abrigo de gestão municipal é ainda menor, estando presentes apenas em 2,7%. Quanto aos demais serviços especializados, apenas 20,9% dispunham de serviços de enfretamento à violência contra mulheres e somente 9,7% ofereciam serviços de atendimento à violência sexual. Ou seja, em muitas cidades as mulheres têm dificuldade de recorrer a uma rede de enfrentamento. É preciso ponderar que, apesar das casas-abrigo mantidas pelo Estado serem essenciais no momento em que as vítimas sofrem risco iminente de feminicídio, nem sempre elas contam com vagas suficientes para atender a demanda de outras mulheres vítimas de violência. Também não resolvem o problema a longo prazo, uma vez que não se configuram como moradias para as vítimas e possuem prazo máximo para saída, o que nem sempre condiz com o momento adequado para reinserção social e de segurança econômica para as mulheres abrigadas. Entende-se ainda, que uma das formas de combater às violências domésticas sofridas pelas mulheres é assegurar o direito à moradia e abrigo em locais seguros longe de seus agressores, pois a insegurança da posse da terra e da habitação configura-se como um ponto crucial para tomada de decisão da saída de uma relação violenta, já que muitas vezes ficam sem alternativas de local para ir . 3 “NÃO TEM CASA-ABRIGO, SE DER MOLE NÓS OCUPA” Nesse contexto de luta contra a violência, opressão e feminização da pobreza, surgem as ocupações feitas pelo Movimento de Mulheres Olga Benario que funcionam como Casas de Referência para acolher mulheres vítimas de violência doméstica. Essa têm sido umas das principais ações e bandeiras de luta coordenadas pelo movimento, partindo do entendimento de que ocupar, resistir e conquistar é o caminho para a verdadeira emancipação das mulheres na luta pelo fim do patriarcado, além de abrir um caminho para o desenvolvimento de políticas públicas, formação política e de transformação da vida das mulheres. Até o momento, existem dez ocupações em sete estados brasileiros, tendo sete delas ocorrido nos dois últimos anos, dado o aumento de casos de violência contra a mulher na pandemia. Entre elas, está a Casa de Referência Mulheres Mirabal, na cidade de Porto Alegre, que surge a partir da organização e necessidade de se criar um espaço seguro de mulheres, por mulheres e para mulheres, tendo em vista o aumento do número de casos de violência no Estado do Rio Grande do Sul - e a extinção por parte do Governo Estadual da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres. Trata-se da segunda ocupação feminista da América Latina, e que vem servindo de exemplo de atuação para outros movimentos feministas Brasil à fora. Desse modo, a Mirabal pode ser compreendida como um território de confrontação: ao mesmo tempo que tensiona o sistema patriarcal e capitalista, ocupando e dando uma função social aos imóveis vazios, se instaura em uma lógica que subverte a ideia de propriedade privada sustentada em termos de uso e não de troca. Contrariando essa lógica fundada no cercamento das terras comunais no período medieval e fortalecida na modernidade, a Mirabal opera a partir de práticas inspiradas na subsistência, autonomia e sociabilidade, fortalecendo-se como corpo coletivo em luta permanente contra a violência de gênero . Ademais, a Mirabal não só reivindica como denuncia a ausência e a ineficiência do Estado na elaboração e efetivação de políticas públicas para as mulheres, como constrói outros caminhos possíveis para combater e encerrar ciclos de violências. Por isso, constitui-se como espaço possível de organização e formação política, coletivizando o trabalho reprodutivo como uma maneira de economizar no custo da reprodução e de criar uma rede de proteção contra a pobreza, a violência de Estado e a violência dos homens . Ao mesmo tempo, apesar da inegável importância do serviço prestado e de haver realizado o acolhimento e abrigamento de centenas de mulheres, a Mirabal vem lutando desde o seu início contra as tentativas e ameaças de fechamento da casa. Contra processos de reintegração de posse do imóvel, corte de luz, e campanhas que deslegitimam a função social ali estabelecida com o trabalho cotidiano na defesa e empoderamento das mulheres vítimas de violência, a Mirabal vem enfrentando uma intensa luta judicial. Além disso, consciente de que tão importante quanto a concessão do espaço para o acolhimento e abrigamento das mulheres vítimas de violência, é a própria opinião pública sobre o tema, a Casa vem desenvolvendo atividades de geração de renda como o Quitutes Mirabal , festivais culturais, cursos de formação e mutirões de construção e manutenção de uma horta comunitária. Estas práticas tensionam a lógica patriarcal de dominação que impera desde tempos antigos e se aprofunda no contexto de crise social, moral e política pelo qual passa o Brasil na atualidade. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante desses entraves e das dificuldades enfrentadas para as mulheres saírem dos ciclos de violência, é necessário superar soluções tradicionais e pensar em alternativas que viabilizem o trabalho reprodutivo compartilhado, assim como projetos de emancipação social e financeira. Uma alternativa possível é a criação de espaços de moradia/abrigamento coletivos como as ocupações urbanas do Movimento de Mulheres Olga Benario, com destaque para a Casa de Referência Mulheres Mirabal que vem instaurando uma política de partilha em imóveis que não cumprem sua função social. Ocupar é preciso para construir e pensar políticas públicas e cidades que abracem mulheres com respeito, afeto e dignidade. Assim, ao trazer à tona a luta pelo direito à cidade pelas mulheres, deve-se lembrar que se constrói uma luta contra a norma hegemônica, uma luta pelo direito à existência e ao pertencimento. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei n. 11.340/2006. Coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Presidência da República, 2006. BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. 4a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. CAMPOS, Clarissa.; PAOLINELLI, Marina.; VELLOSO, Rita.; CANETTIERI, Thiago. 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Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

RODRIGUES, Bárbara; CARON, Daniele. PARA ONDE VÃO AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA? A LUTA DO MOVIMENTO DE MULHERES OLGA BENÁRIO E DA CASA DE REFERÊNCIA MULHERES MIRABAL PELA VIDA DAS MULHERES.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/486137-PARA-ONDE-VAO-AS-MULHERES-VITIMAS-DE-VIOLENCIA--A-LUTA-DO-MOVIMENTO-DE-MULHERES-OLGA-BENARIO--E-DA-CASA-DE-REFER. Acesso em: 26/04/2025

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