As crises humanitárias que assolam nossos dias impõem publicamente uma pergunta bastante cara para nós, historiadores: “como chegamos até aqui?”. Apesar dessa pergunta conter em si mesma uma resposta inacessível, não podemos deixar de refletir em como a História é convocada a oferecer alguma tentativa de resposta que ajude a elucidar o presente através de uma imagem do passado.
Essa “convocação”, por outro lado, acaba por colocar o campo da História científica – alicerçada em critérios, fontes e normas próprias intrínsecas – num emaranhado de narrativas que, muitas vezes comprometidas mais com ideologias e menos com qualquer possibilidade de verdade, acabam por intencionalmente turvar ainda mais a reflexão e inviabilizar o debate.
Os novos meios de comunicação transformaram a História em arena de disputa pelos “usos do passado”, com o risco de dar espaço a determinados grupos arbitram sobre o que selecionar do passado e como se apropriar desse debate.
É claro que esse não é um “privilégio” do Brasil. Nesse início do século XXI a ascensão de grupos de ideologias extremistas tem ocorrido em outros países e as crises humanitárias vem a reboque do crescimento desse tipo de discurso. A título de exemplo, Theodor Adorno, em “Educação e Emancipação”, já nos alertava para os perigos das “revisões” historiográficas. Em sua descrição, as “revisões” historiográficas que o sistema educacional alemão fazia do nazismo na década de 1960, ora minimizava seus efeitos, ora excluía-os dos conteúdos e dos debates, ora insinuava que a sua derrota e fracasso se deviam a alguns detalhes, subentendendo-se que tal sistema poderia ter dado certo. Esse é um exemplo importante para pensarmos em como algumas narrativas se esforçam para minimizar os efeitos da ditadura militar no Brasil, esforçando-se para considerar qualquer característica positiva, investindo no esquecimento de todas as arbitrariedades, corrupções, perseguições e execuções ocorridas no período.
A “revisão” do passado é uma estratégia desses grupos e significa contestar versões do passado – mesmo as mais adensadas e alicerçadas em documentos – em nome de determinado interesse ideológico. E, mais grave, costumam deslegitimar toda a ciência histórica apenas a partir de seu próprio recorte enviesado. O resultado é um retorno de políticas antidemocráticas, que não se envergonham de adotar um tom de segregação, de exclusão do outro-diferente e de ódio à alteridade.
É preciso compreender que as conquistas humanitárias pós-Segunda Guerra Mundial, não ajudaram apenas numa remodelação das políticas internacionais. Elas ajudaram também a solidificar os novos embasamentos científicos, que alertam para o perigo de visões ufanistas e excludentes, são alvos de grupos que não mais se ruborizam em apregoar a exclusão e o extermínio do outro. Por isso, nossa tarefa de repensar o “fazer historiográfico” nesses tempos incertos parece, pois, necessária e que precisa se comprometer primeiramente com o bom fazer científico, a partir do qual a História ocupará lugar legítimo no debate sobre cidadania e sobre democracia e sobre as ameaças à soberania dos povos.
Isso não supõe apresentar um contrapeso ideológico a grupos que se apropriam arbitrariamente do passado. Isso significa, sim, oferecermos à sociedade o que a ciência histórica tem de melhor: embasamento em fontes, compreensão das narrativas historiográficas e suas teleologias, publicidade do debate, enfim, para sermos claros: honestidade intelectual. Apoiar-se em critérios científicos significa retomar às bases científicas mais elementares: objetividade, verificabilidade, publicidade, acessibilidade, universalidade. Entendemos que esses valores que alicerçam as ciências são os mais apropriados também para a construção democrática e republicana. São valores que asseguram a formação do historiador preocupado em responder às demandas da sociedade.
A organização de uma Semana de História destina-se a colocar em prática tais valores científicos, interessada na profissionalização dos historiadores que formamos. Ao trazermos as pesquisas dos nossos docentes e discentes para a apresentação, publicização e debate, submetê-las ao escrutínio público, desejamos propor ao nosso alunado o exercício da argumentação científica e da clareza de objetivos.
Entendemos ser o papel da Universidade Federal do Tocantins a criação desses espaços públicos de construção e elucidação científica. Igualmente, o Curso de História de Porto Nacional deve oferecer a seus professores e alunos os meios tanto para exposição de suas pesquisas quanto para as possibilidades de diálogo com a sociedade.
Tais eventos tem a potencialidade de diálogo com os professores e alunos das redes Estadual e Municipal de Educação de Porto Nacional e região. A organização desse evento tem, portanto, um objetivo prático de atrair os professores da rede pública de Ensino Básico para nossas pós-graduações e os alunos do Ensino Médio para nossa graduação em História.