A REVOLTA DE 1904: ANÁLISE DA REVOLTA DA VACINA NA PERSPECTIVA DA NOVA HISTÓRIA CULTURAL

Publicado em 30/03/2024 - ISSN: 2237-8073

Título do Trabalho
A REVOLTA DE 1904: ANÁLISE DA REVOLTA DA VACINA NA PERSPECTIVA DA NOVA HISTÓRIA CULTURAL
Autores
  • Lucas de castro
Modalidade
Pesquisa - Resumo
Área temática
Humanidades, Ciências e Educação - História
Data de Publicação
30/03/2024
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/sct2023/665601-a-revolta-de-1904--analise-da-revolta-da-vacina-na-perspectiva-da-nova-historia-cultural
ISSN
2237-8073
Palavras-Chave
Primeira República, cidadania, discriminação, política.
Resumo
O início da república no Brasil foi marcado por uma série de revoltas e levantes que ocorreram em todo território nacional, no meio rural e também no meio urbano. Os reflexos de uma política que buscava a modernização desesperada do país, unido ao descontentamento de vários setores da sociedade com o governo, propiciaram o crescimento do sentimento de revolta em grande parte da população do Rio de Janeiro, capital brasileira da época. O tom de emergência e de busca por resultados fez com que Pereira Passos ganhasse plenos poderes para chefiar com mãos de ferro o Distrito Federal, poderes esses que foram exigidos ao presidente Rodrigues Alves para sua nomeação. Esse viés autoritário somado aos recursos ilimitados que lhe foram garantidos, permitiu se efetivar a política da discriminação, da segregação e do racismo, fantasiados com justificativa científica e higienista. No início do século XX, as ruas do Rio de Janeiro transbordavam epidemias e uma série de doenças, e isso é fato, o que ocorre é que essas condições foram diretamente ligadas as pessoas que estavam a margem da sociedade. Por medo, discriminação e com interesses imobiliários, grande parte da elite carioca utilizou as políticas higienistas em seu favor, se beneficiando economicamente com as políticas adotadas pelo governo em detrimento das classes mais pobres. O resultado dessas políticas de progresso que visavam um modelo europeu para a cidade foi catastrófico, acarretando na derrubada de barracos, derrubada de cortiços, prisões e expulsão de grande parte da população do centro da cidade. Naturalmente, famílias ficavam sem um teto para viver e o sentimento de incerteza era inevitável. O medo era diário, sua própria existência poderia ser discutida por parte daqueles que detinham a suposta verdade e o discurso científico. O reflexo de toda essa construção política de modelo ideal para se conduzir um problema social culmina com a campanha de vacinação obrigatória contra varíola, conduzida pelo líder da Diretoria Geral de Saúde Pública, o médico e higienista Oswaldo Cruz. Foi esse o estopim da revolta urbana do Rio de Janeiro de 1904, a chamada Revolta da Vacina. Dentro de todas circunstâncias que reforçaram a segregação social no período, a má organização e efetivação de uma campanha vacinatória mascarou o ideal de saúde – que era necessário - e escancarou o ideal autoritário e racista das medidas severas e ativas utilizadas para se fazer efetiva a vacinação na população. Dito isso, e levando em consideração todas as medidas discriminatórias – que já se faziam presente desde a metade do século XIX – é possível considerar que a Revolta da Vacina foi um acontecimento isolado diretamente ligado a campanha vacinal contra varíola? O fato é que o título que dá nome a essa revolta é datado ao seu estopim e, sendo assim, não leva o peso e a relevância de um problema que estava muito mais aprofundado do que a vacina propriamente dita. Diante do exposto, levantamos a seguinte questão: que processos ocorridos com a instalação da República foram/podem ser considerados os norteadores para o desencadeamento da revolta da vacina de 1904? Portanto, a pesquisa teve por objetivos principais: a) compreender as motivações que levaram as movimentações ocorridas em 1904; b) reconhecer o caráter político da Revolta; c) identificar a discriminação como um fator social fundamental na manutenção política do período; d) perceber a Revolta da Vacina como um grande ato de cidadania na Capital da República. Para responder à pergunta e atingir objetivos propostos utilizamos como fontes de pesquisa os estudos dos historiadores José Murilo de Carvalho, Nicolau Sevcenko e Sidney Chalhoub, nas obras Os bestializados, Revolta da Vacina e Cidade Febril respectivamente. Ao analisar essas obras buscamos perceber as suas singularidades e como esses autores interpretaram essa revolta. Escolhemos os estudos desses autores pois entendemos que ambos percebem a Revolta da Vacina em um contexto mais amplo, representando uma perspectiva historiográfica recente, que se remete a produção que teve início nos anos 80 e 90 no campo historiográfico da República (LAPA, 1990). Para o historiador José Roberto do Amaral Lapa, essa produção é fruto da perspectiva da Nova História Cultural, onde o resultado disso foi o levantamento de novas questões e hipóteses, contribuindo para o aprofundamento de questões e problemáticas sociais. Se tratando da Primeira República, ambos historiadores dessa tendência prezam pelo protagonismo da Capital, Rio de Janeiro, como foco síntese do projeto de nação republicana que surgiu com o advento do novo regime (LAPA, 1990). No que concerne a metodologia para análise das obras, levamos em consideração os seguintes aspectos: a) situar a obra em sua época; b) toda obra de história é ao mesmo tempo uma visão do passado e um retrato do presente, um diálogo a partir do presente, suas inquietações, seus projetos de um lado e os traços deixados pelo passado de outro; c) É expressão de tendências da historiografia, dos debates teóricos, metodológicos e das lutas políticas existentes na época de sua elaboração; d) toda obra histórica ilumina tanto o passado quanto o presente, tanto a história quanto a historiografia; e) Quando deixa de ter valor por sua interpretação do passado, passa a ter valor como documento/fonte/evidência; f) que a obra histórica resulta da formação do historiador/a de seus objetivos, de sua vivência no sentido mais amplo de seu posicionamento diante do presente e do passado; g) depende do público que pretende alcançar; h) É produto de documentação/fontes/evidências utilizadas. A perspectiva historiográfica que nos cabe esclarece então o direcionamento do trabalho para as questões culturais e sociais acerca da Revolta da Vacina. A escolha destes historiadores para a pesquisa - Carvalho, Sevcenko e Chalhoub - é fruto dessa tendência, aonde tal influência está explícita no decorrer do texto. É fruto dessa tendência também - como o leitor perceberá - o direcionamento nominal de "Revolta de 1904" para se referir a Revolta da Vacina. Tal direcionamento é fruto das fontes analisadas que compreendem a Revolta da Vacina como algo mais profundo do que a questão da vacina propriamente dita, tendo a nominação "Revolta de 1904" mais fôlego para suprir a necessidade contextual, isto é, a tese defendida acerca das movimentações populares ocorridas em novembro de 1904. As fontes analisadas evidenciam que os autores apresentam diferentes teses sobre a Revolta da Vacina: Sevcenko apresenta uma tese focada na moral da sociedade, Carvalho apresenta uma tese mais política da revolta e, Chalhoub, apresenta uma análise de construção cultural que envolve a resistência perante a vacina. Entretanto, todos autores - apesar de diferenças em suas pesquisas – convergem no que se trata do teor social da Revolta da Vacina. Ambos trabalhos analisados, apresentam paralelos que se reforçam entre si no que se diz a validade moral a causa e a manifestação da população. A consolidação da República no país teve como base uma ideologia positivista que vislumbrava um país elitizado, próspero, urbanizado, e, principalmente, branco. O fim da escravidão no país e a mudança de regime desnudaram a problemática discriminatória que já era amplamente disseminada dentro do Império através da solução instaurada pelo Estado republicano: o padrão moral civilizatório aceito tinha como pilar principal – e fundamental – a relação inerente do trabalho na vida do cidadão brasileiro. Perceber tais motivações esclarecem as relações entre o governo e as classes mais vulneráveis, isto é, as “classes perigosas”. A transmissão do caráter moral da sociedade tendo como base a relação do trabalho como artífice de aceitação dos indivíduos pelo resto da população, marginalizou todos aqueles indivíduos que não se enquadravam dentro desse modelo aceito. A ociosidade e o trabalho informal – esse segundo base de sobrevivência para grande parte desfavorecida da população – foram sinônimos de vadiagem e, portanto, de perigo para as demais pessoas da população, isto é, para as pessoas que se enquadravam nos moldes republicanos de cidadãos de bem e de moral correta. O negro que foi escravizado agora sofria outro tipo de violação: a obrigação de se enquadrar em uma sociedade que lhe negou a liberdade e que agora também lhe nega o direito de se enquadrar dentro do padrão aceito criado, que promovia o trabalho como condição moral do indivíduo, mas que ao mesmo tempo, não dava condições para tal como reflexo do racismo. A propagação desse ideal com base no trabalho favorece então a camada mais rica da população, isto é, a elite fluminense, que aproveitou do discurso de ética e moral para legitimar suas ideias meritocratas e pretenciosas. Se tratando da discriminação, esse discurso de meritocracia propagado com o ideal moral de trabalho favoreciam os ideais burgueses ao passo que geravam disputa e rivalidades entre os próprios trabalhadores, que se viam refém de um trabalho para sobreviverem e para serem aceitos dentro dos moldes republicanos. Portanto, é fundamental conciliarmos a pretensões econômicas da elite brasileira no fim da escravidão com o modelo republicano que era almejado no projeto de República que se desenhava. A busca pelo padrão moral e ético embasado na figura do capital fizeram com que a legitimação do novo regime viesse através de um projeto de nação que tinha como foco um país mais moderno, próspero, rico e democrático. Entretanto, esse modelo de país que se buscava em teoria, na prática não era para todos. As políticas de urbanização e de higienização não vislumbravam uma melhor qualidade de vida para a população pobre, isto é, para a maioria da população do Rio de Janeiro da virada do século XIX para o século XX. As políticas higienistas tinham teor cientificista que colocavam as classes vulneráveis como causas das moléstias da cidade, transferindo toda culpa dos males e enfermidades para essa camada da população. A propagação dessas políticas racistas proporcionou a negligência do governo em relação com esses indivíduos, que tinham seus direitos inviabilizados, não somente os direitos políticos, mas também os seus direitos humanos. A Revolta da Vacina foi, portanto, antes de qualquer outra definição, um ato político por parte da população insatisfeita. Um governo que legitimava um país através de políticas que atingiam uma camada mais abastada, e evidentemente, uma camada mais branca, não via na população comum condições de participação política, negligenciando assim os direitos e os deveres a cumprir com toda sociedade, independentemente de sua cor e/ou condição. Sendo assim, as movimentações populares que efervesceram as ruas posteriormente ao decreto de obrigatoriedade se traduzem em um ato de política, que confrontou não só a falta de direito ao voto ou a vacina, mas sobretudo lutou contra a discriminação, contra a política elitista, contra as ideologias cientificistas racistas e, principalmente, lutou em favor da liberdade, dos direitos civis, da cidadania e da democracia.
Título do Evento
XIV Semana de Ciência e Tecnologia da Unesc
Cidade do Evento
Criciúma
Título dos Anais do Evento
Anais da Semana de Ciência e Tecnologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CASTRO, Lucas de. A REVOLTA DE 1904: ANÁLISE DA REVOLTA DA VACINA NA PERSPECTIVA DA NOVA HISTÓRIA CULTURAL.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/sct2023/665601-A-REVOLTA-DE-1904--ANALISE-DA-REVOLTA-DA-VACINA-NA-PERSPECTIVA-DA-NOVA-HISTORIA-CULTURAL. Acesso em: 25/04/2025

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